No dia 29/3/2023, neste jornal, o 1.º ministro António Costa publicou o artigo «Chegou a hora de Setúbal». Referia-se ao distrito, de que realçou as potencialidades económicas em várias áreas, o desenvolvimento atingido, a atractividade e, ainda, a autonomia, que lhe deu vida própria deixando de ser um dormitório e reserva de mão-de-obra de Lisboa.
A seguir, enumerou os investimentos que são a aposta do Governo para reforçar este percurso positivo: o Projeto do Arco Ribeirinho Sul (abrangendo os municípios de Alcochete, Almada, Barreiro, Moita, Montijo e Seixal), centrado em dois eixos: requalificação urbanística (diversificando e criando novos espaços de habitação, serviços, indústria tecnológica e lazer) e mobilidade (prolongamento do Metro Sul do Tejo, novas pontes entre Barreiro e Montijo e Barreiro e Seixal, novo terminal fluvial na Moita, Passeio do Arco Ribeirinho Sul, via pedonal ciclável e de estrutura verde ligando Almada a Alcochete).
Referiu, ainda, outros projectos de mobilidade: a ligação de Sines ao nó de Grândola Norte da A2 (essencial para desenvolver o porto de Sines e dar capacidade de resposta aos novos investimentos); a ligação ferroviária Sines-Caia (que reforça a ideia desta região como plataforma essencial para o transporte de mercadorias na Europa inteira, tornando o porto de Sines um dos maiores activos do país e da Europa, quiçá, uma pedra-chave na reconfiguração em curso em Bruxelas para um verdadeiro mercado europeu de energia com vista à autonomia energética).
Não duvido das boas intenções destes anúncios, qualquer 1.º ministro quererá sempre fazer muito mais do que permitem as limitações da realidade e o engenho da governação.
Uma coisa é recorrente nas promessas de obras: são sempre grandiosas (com grande volume de investimento) e capazes de nos tirar do eterno marasmo herdado (que acabará com o sucesso do que foi anunciado).
Mas nem só as obras grandiosas tornam o quotidiano do cidadão comum menos penoso. Algumas pequenas, em especial as que bloqueiam o pleno funcionamento das grandes, merecem uma atenção redobrada e uma avaliação do custo-benefício da sua conclusão.
Dou o exemplo da linha da Fertagus, na qual se investiu 1050 milhões de euros desde 1999 para levar o comboio de Lisboa a Setúbal, mas que continua por acabar desde 2004. Do lado norte, ficou em Roma-Areeiro (Lisboa) em vez da Estação do Oriente (perdeu-se a intermodalidade com os outros modos de transporte que esta estação oferece). Do lado sul, ficou no Bonfim (Setúbal) em vez da Estação de Praias do Sado, à beira do Instituto Politécnico (por isso não serve oito mil alunos, professores e funcionários). E, no meio, na Estação do Pinhal Novo, ficou o maior bloqueio ao pleno desempenho desta linha, que prejudica, diariamente, há dezanove anos, milhares de utentes (servidos pelas estações de Setúbal, Palmela, Venda do Alcaide, Pinhal Novo e Penalva), que trabalham, estudam, vão aos hospitais ou se deslocam por outros motivos a Lisboa e Setúbal.
Se os dois troços por acabar nos finais da linha exigem grande investimento, a Estação do Pinhal Novo não, são cerca de três milhões de euros. Em 2004, a nova estação custou vinte e cinco milhões de euros e ficou por acabar pela miopia política de quem devia ter o maior interesse no melhor serviço ferroviário para os seus munícipes.
Acabar esta estação é potenciar, plenamente, o investimento dos 1050 milhões de euros que referi, e aumentar a oferta de comboios para (e de) Lisboa dos três actuais por hora para cinco comboios (oito nas horas de ponta) – entre a Fertagus e a CP – e é dar ao Pinhal Novo o papel que lhe estava destinado em 2004: ser uma grande interface intermodal, pivot de vários modos de transporte a servirem diariamente milhares de utentes.
Esta pequena obra, ou se faz enquanto tivermos o PRR, o Portugal 20-30 e a vontade anunciada pelo 1.º ministro com este pacote de investimentos no distrito, ou se espera, e desespera, outros vinte anos, continuando a prejudicar, diariamente, milhares de utentes.
Chegará agora a hora?