Já dizia a poeta, “vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar”. As inacreditáveis declarações de dirigentes, ministros, deputados, do PS e do PSD sobre o aeroporto na Base Aérea n.º 6 no Montijo são cada vez mais uma demonstração de subserviência para com os grupos económicos e de desprezo para com as populações.
Durante anos, o PS defendeu abertamente a privatização da ANA Aeroportos. Foi aliás uma das muitas e fortes razões, se bem se lembram, que levaram o PCP a rejeitar o “PEC 4” há uma década. Quando a direita chegou ao poder para dar as mãos à troika e arrasar o mais que pudesse com os direitos das pessoas e o património do país, lá foi a ANA Aeroportos para a multinacional francesa Vinci. E o PS, que andou a defender e a propor a privatização, logo disse que não era bem esse o plano.
Tem sido revoltante assistir, anos a fio, à arrogância dos representantes daquela multinacional, que perante órgãos de soberania deste país vinham ditar a sua lei e impor as suas opções. Já foi dito, mas tem de se reafirmar: o processo de estudo, análise e decisão que conduziu à opção do Novo Aeroporto no atual Campo de Tiro de Alcochete foi um processo sem paralelo nem comparação. Avaliação Ambiental Estratégica, Avaliação e Declaração de Impacto Ambiental, um processo técnico irrepreensível conduzido pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Pareceres favoráveis de todos os municípios envolvidos, resoluções do Conselho de Ministros a aprovar a decisão. Veio a Vinci e comeu-a.
Em julho de 2013, poucos meses depois da privatização da ANA, o então Secretário de Estado Sérgio Monteiro foi visitar as obras de expansão do Aeroporto da Portela, e proclamou solenemente: “o novo aeroporto é aqui!”. O assalto estava em curso: o que contava não era o interesse nacional e o desenvolvimento – era o negócio da multinacional. Espremer as receitas de milhões em taxas aeroportuárias, em negócios de retalho e de imobiliário, em estacionamento, tudo num aeroporto localizado no Centro de Lisboa!
Claro que um Novo Aeroporto de Lisboa, abrindo caminho ao encerramento futuro da Portela, era o pior que podia acontecer a quem tivesse essa estratégia. Era preciso inviabilizar o projeto a todo o custo. Foi por isso, e para isso, que regressou rapidamente e em força a aberração do “Portela + 1”. Tratava-se (e trata-se) de prolongar e intensificar a operação na Portela aos limites do imaginável – as pessoas que vivem e trabalham em Lisboa são irrelevantes para essas contas, claro – e encontrar um “complemento” baratinho e perto de Lisboa. Eis a Base Aérea do Montijo.
Uma das mais importantes bases da Força Aérea Portuguesa, numa localização verdadeiramente estratégica para missões fundamentais, a Base Aérea n.º 6 é, na prática, privatizada, desalojadas as suas unidades de forma vergonhosa, e entregue de bandeja aos interesses económicos estrangeiros. Tal foi a decisão da Vinci, diligentemente executada por governantes PSD/CDS, diligentemente defendida por governantes PS.
Já durante a governação PS/António Costa, a 26-09-2018, o então Presidente da ANA Aeroportos, um empregado da Vinci que vinha para Portugal dar ordens, o Sr. Ligonnière, compareceu na Assembleia da República. Quando confrontado pelo PCP na Comissão Parlamentar com a inexistência de uma avaliação ambiental estratégica para aquela “solução” que estavam a impor, sabem qual foi a resposta? “A Avaliação Ambiental Estratégica não se vai realizar porque implica avaliação de alternativas, com outras soluções. A opinião do Estado Concedente, que é também a nossa opinião, é que as outras soluções não são solução. Não encaixam no modelo económico que foi negociado”. E pronto.
Convenhamos: perante explicações destas, fica quase tudo dito sobre o processo de decisão. Sobre as decisões que têm sido tomadas – mas também sobre as que podem vir aí…
Esta semana, o Ministro Pedro Nuno Santos respondendo ao PCP na Assembleia da República, apontou um dos grandes problemas da localização Campo de Tiro de Alcochete: nada mais, nada menos que a necessidade de construção de uma Terceira Travessia do Tejo.
Foi exatamente o argumento do anterior ministro, Pedro Marques em 2019. Sem tirar nem pôr. Para eles, a Terceira Travessia é um problema. Para nós, é uma solução. É um dos projetos estruturantes para o desenvolvimento e a qualificação territorial, não só da Península de Setúbal mas da Área Metropolitana de Lisboa, indutor de investimento público e privado, reclamado pelas populações e prometido pelo PS quando há campanhas eleitorais. Afinal, umas vezes é promessa, outras vezes é ameaça.
A política deve ser feita com dignidade e com elevação, em defesa do interesse do país e da região, e por uma vida melhor para as pessoas. Por isso, por uma questão de higiene, não se comentará aqui as baixarias que têm sido veiculadas no desespero de alguns porta-vozes do bloco central. Mas sempre se deve registar que, quando se vê o PSD a dar a mão ao PS desta forma tão despudorada, destratando órgãos e eleitos do poder local democrático, desprezando as populações para alterar a lei, à medida e às ordens das multinacionais, bem se percebe o que querem dizer, quando falam em “servir as pessoas”. Sabemos bem que pessoas são essas.