Ainda não tinha definido sobre que assunto escreveria, mas na passada quinta-feira, fui a Lisboa, e por volta das 18 horas, chegando ao Rossio, deparei-me com um ajuntamento. De repente, supus tratar-se de alguma manifestação relacionada com o excecional momento político que vivemos, mas não. Com cenas tristes e degradantes, tratava-se da celebração de praxes académicas. Eis um “bom” motivo para o artigo de opinião de hoje.
Depois da tragédia do Meco que consternou o país e de outras menos graves, mas onde imperava a prepotência dos veteranos e a submissão dos caloiros que a imprensa e a televisão várias vezes reportaram, pensei que a coisa estivesse bem melhor. Que alguma noção de dignidade tivesse chegado às cabecinhas dos que serão os futuros quadros e dirigentes deste pais, mas não.
Seriam uns 40 ou 50. Talvez para algum resguardo visual em relação a quem passava, uma fila compacta em pé, rodeava os/as que estavam sentados. Garrafas de cerveja, vinho, e de outras bebidas espirituosas eram mais que muitas. Àquela hora, claro, já quase todas vazias. Os que faziam “guarda de honra”, vestidos a rigor e de capa. Os que estavam sentados, quase todos de camisolas com inscrições feitas à mão fazendo referências ao sexo e ao álcool. Tudo isto, frente ao lago do lado do Teatro D Maria II.
Uma das cenas que presenciei três vezes: a “vítima” era chamada, entrava para o lago onde se encontravam 3 ou 4 veteranos com água pelas coxas, a cabeça do “desgraçado” era mergulhada umas poucas de vezes, depois com um pequeno alguidar ainda lhe atiravam mais água à cara, de seguida, se não o fizesse voluntariamente, era-lhe enfiado pela boca abaixo, cerveja, vinho, bagaço até que os “carrascos” lhes apetecesse. Tudo isto, evidentemente, para gáudio geral e sádico gozo potenciado pelo efeito do álcool.
Era quase noite, a temperatura já estava baixa, encharcados até aos ossos, perdidos de bêbados, imagine-se o estado em que aqueles “tristes” chegariam a casa e até nas possíveis consequências para a saúde.
Não soube, falha minha, que tipo de sevícias estava reservado às meninas. Mas, com certeza, não escapariam.
Portanto, não foi em qualquer recôndito lugar que isto se passou. Foi no coração da capital deste país (como será noutra qualquer cidade) com a indiferença, quase total, de quem passava.
A irreverência, é uma condição intemporal da juventude. É normal e salutar. Mas o que desgraçadamente continua a passar-se nestas famigeradas praxes, como o que presenciámos perante, como disse, a indiferença quase geral, será irreverência, ou prepotência, submissão e humilhação? E não será também um sinal, da patogenia desta sociedade?
A começar pelos próprios, pelos pais, pela direção das universidades, pelo Ministério da tutela, pela maioria de outros órgãos da comunicação social que deviam continuar a divulgar isto, pelo Governo, por todos nós, não será a culpa?
Da nossa parte e deste jornal, para reflexão e para que conste, aqui fica o testemunho.