Um destes dias, antes do Covid-19, no meio de um animado repasto setubalense, e duma ainda mais animada troca de impressões, um amigo pessoal olhou para mim e exclamou: “Pois é, pá! Tu és um gajo de Direita; o que te vale é que és um tipo porreiro; senão, chamava-te já fascista!!!”
Portanto, embora tivesse sido dito meio a brincar, segundo o meu querido amigo, ser de Direita implica quase necessariamente ser fascista.
Expliquei-lhes que é mesmo preciso, imperioso, também ser-se de Direita. Nas atitudes, nos valores, todos os dias, em todas as circunstâncias e em todos os lugares.
A Direita ainda tem gente equivocada. Abana a cabeça, em jeito de complacência e aprovação, com as apreciações musculadas e xenófobas de André Ventura; por vezes, os mais velhos olham com nostalgia para os tempos do Estado Novo, com Salazar, orgulhosamente sós, a Guerra Colonial, a PIDE, a censura, a tortura, a repressão, o desterro, a pobreza, o analfabetismo.
Nesses tempos, nunca poderia escrever esta crónica, sem que surgisse o famigerado “lápis azul” da censura.
Isso não é a Direita. A Direita é algo fundamentalmente diferente.
A Direita é pluralista, democrática, tolerante, inclusiva, europeia. Direita de Churcchil, Adenauer, de Gasperi, Adolfo Suarez, Sá Carneiro, Amaro da Costa.
O Humanismo faz parte da nossa matriz sociológica e política. O direito à diferença, o respeito por formas de pensar diferentes da nossa e comemorando com entusiasmo o 25 de Abril, mesmo em confinamento forçado. Com a nossa alegria interior.
A Direita entende que para haver desenvolvimento económico sustentável, deve haver um tecido empresarial sólido e consolidado, que seja também motor da Economia, que se enquadre e articule com o Estado, e não que venha pedir ajuda em horas de aperto, procurando dignificar as condições dos seus trabalhadores, nomeadamente salários dignos.
A Direita não se deve rever neste capitalismo selvagem e predatório, com muitos produtos “Made in China”, onde a poluição do ar, água e solo atingem valores obscenos, onde exploram os trabalhadores com salários ainda baixos, excessiva carga horária laboral e produtos de qualidade inferior.
Devemos manifestar a nossa indignação com as injecções massivas de dinheiro na banca, a impunidade e os perdões de dívidas monstruosas a alguns dos nossos gestores, empresários e banqueiros, e a corrupção endémica que assola o nosso país.
A Direita deve olhar com manifesta preocupação e lutar com todas as forças, contra o ressurgimento de uma extrema-direita xenófoba, intolerante, troglodita, musculada e caceteira. Trump, Bolsonaro, Erdogan, Duterte, Orban, etc.
Há alguns anos atrás, estive em Gurs (França), num campo de concentração para judeus, durante a 2ª Guerra Mundial. Embora desmantelado, ainda se sente nas ruínas, o silêncio opressivo do Horror.
Na ocasião, foi através do silêncio, da tristeza e da indignação que consegui expressar os meus sentimentos.
Tal como a Esquerda, a Direita não é lugar para qualquer um. É preciso dimensão pessoal, política e social para se viver à Direita, de princípios e de acção.
Talvez seja subir um cume diferente da montanha; mas a Cordilheira é a mesma.