“Afinal as tais “barricadas” não são mais do que uma ilusão. Evoquemos, pois, esta grande mulher, com a cumplicidade dum sorriso, como se não acabasse o longo aplauso, numa primeira fila do teatro da sua longa e digna vida.”
Jorge Paulino Pereira, Facebook
A primeira vez que contactei pessoalmente com Odete Santos, foi nos anos noventa, para tratar questões pessoais de natureza jurídica, das quais foi minha advogada.
Odete Santos tratou dos assuntos de uma forma extremamente profissional e no fim, os seus honorários foram bem menores daquilo que um advogado com o seu prestígio normalmente auferiria.
Encontrei-me com Odete Santos por diversas vezes no seu escritório localizado na Praça de Bocage e também noutro local.
Era uma mulher extremamente inteligente e astuta, sem rodeios, nem papas na língua ou quaisquer outros engulhos.
As nossas conversas eram longas, extrapolando muitas vezes as questões estritas de natureza jurídica e entrando na música, literatura, teatro… e também política.
Foi Odete Santos quem me deu a conhecer melhor Paul Robeson, actor e cantor negro norte-americano, que conhecia muito pouco.
Foi através da nossa distinta jurista que fiquei a percepcionar a sua dimensão. Emprestou-me uns discos, onde pude apreciar a enorme qualidade de Robeson como baixo, interpretando músicas imemoriais tais como Old Man River, Shenandoah, Swing Low, Sweet Chariots.
Paul Robeson foi o primeiro actor negro a interpretar Otelo, de Shakespeare, na Broadway, tendo sido o responsável por abrir as portas para outros actores negros, tais como Sidney Poitier e Harry Belafonte.
Quando a conversa se dirigia para a política, eram óbvias e notórias as diferenças entre nós.
Contudo, as diferenças de opinião e perspectiva, não a impediam de saber respeitar pontos de vista muito diferentes, como eram os meus.
Mulher extremamente argumentativa, muitas vezes acutilante, com aquela voz arrastada, timbre vincado, com várias inflexões de tonalidade, óptima para o Teatro.
Em 2000 fui assistir à peça de teatro “Quem Tem Medo de Virgínia Wolf”, da autoria de Edward Albee, encenada pelo Teatro de Animação de Setúbal, onde contava a história de um casal de meia-idade, Martha e George, armadilhado numa relação amargurada e sem perspectiva, nem futuro à vista.
Odete Santos fazia de Martha; o também saudoso Carlos César de George.
Nunca mais me esqueci da excelência e qualidade interpretativa de Odete Santos. Aquela voz arrastada, mas forte e emotiva, ecoava pelo Fórum Luísa Todi como um trovão.
Não tendo nascido em Setúbal (nasceu em Pega, Concelho da Guarda a 26 de Abril de 1941), radicou-se por cá e sempre cá viveu.
Odete Santos era uma setubalense orgulhosa e assumida.
A notícia do seu desaparecimento, recebi-a com bastante tristeza.
Fica aqui uma singela, mas muito significativa evocação da sua memória.