“Pergunto ao vento que passa, notícias do meu país e o vento cala a desgraça e o vento nada me diz (…)”
Manuel Alegre, 1963
Em 2007, a RTP1 apresentou o programa “Os Grandes Portugueses”, onde se solicitava aos espectadores que votassem sobre qual seria a personalidade mais representativa e que mais admiravam, em Portugal.
Salazar venceu essa votação e Álvaro Cunhal ficou em segundo lugar.
Num país com cerca 900 anos de História, com possibilidades múltiplas e variadas, a escolha destas duas personalidades, transmitiu-nos uma mensagem subliminar de apreço e até admiração que a sociedade nutre por líderes autoritários.
Embora provenientes de universos ideológicos e políticos distintos, existem grandes semelhanças entre António Salazar e Álvaro Cunhal. Faces opostas da mesma moeda.
O ar austero, ascético e distante, a vida simples e frugal, o desprezo pelo luxo e a ostentação, a sólida formação intelectual, a vida pessoal misteriosa, a dureza, a coerência, as convicções, o carisma, uma fortíssima e abrangente personalidade, a mão de ferro com que dominavam os respectivos campos de acção. Salazar, o país; Cunhal, o Partido Comunista.
O seu luxo era o Poder. Salazar governou Portugal durante 37 anos; Álvaro Cunhal foi secretário-geral do PCP durante 31 anos.
Tudo isto vem a propósito da mais recente intenção de erigirem um museu dedicado a Salazar, precisamente em Santa Comba Dão, local do seu nascimento.
Tais iniciativas podem configurar a tentativa de branqueamento da figura de Salazar, dando especial ênfase aos aspectos positivos, tais como pôr em ordem a instabilidade herdada da I República, realizar investimentos na área das obras públicas, e evitar a entrada de Portugal na 2ª Guerra Mundial.
Contudo, esse Museu teria, obrigatoriamente, de mencionar os seus “pecados capitais”, a saber: a ditadura, a PIDE, a tortura, a Guerra Colonial, a censura e a pobreza.
Se assim for, o museu pode e deve avançar. Mas não sei se é essa a intenção. Daí as minhas reservas, tendo em conta a homenagem que fizeram a Álvaro Cunhal, em Setúbal
Salazar foi o grande obreiro do Estado Novo, alicerçado numa matriz cristã (Deus, Pátria e Família), caracterizado por um nacionalismo estrutural, com um império uno, indivisível, e reprimindo duramente todos aqueles que se lhe opunham, nomeadamente os comunistas, liderados por Cunhal.
Este, por seu lado, lutou contra Salazar e o seu regime, tendo estado preso durante um total de 15 anos, prisões essas que, vistas num contexto global, mais as torturas infligidas, nos merecem a mais viva condenação.
Mas, tal como Salazar, Cunhal não era partidário da Democracia. Em Cunhal, a palavra democracia era utilizada funcionalmente na luta contra o Estado Novo.
Em Junho de 1975, em plena agitação revolucionária, numa célebre entrevista que concedeu à jornalista italiana Oriana Falacci, Cunhal afirmou que não acreditava, de facto, na democracia pluralista.
O professor António José Saraiva, um dos mais prestigiados opositores ao regime do Estado Novo, apelidava Cunhal de “Salazar Vermelho”.
Portanto, da mesma forma que manifesto as minhas reservas relativamente à verdadeira intenção de um museu dedicado a Salazar, também me parece completamente incompreensível a homenagem que fizeram a Álvaro Cunhal, aqui em Setúbal, com uma avenida com o seu nome, a sua figura de perfil e desenhos seus colocados em painéis gigantes.
Mário Soares foi um democrata e Presidente da República. Personalidade incontornável da nossa Democracia, não tem qualquer rua com o seu nome, em Setúbal, o que constitui algo de impensável.
Quanto a Salazar e Cunhal, estes foram, respectivamente, os representantes nacionais do Fascismo e do Comunismo, as duas ideologias mais sanguinárias e mortíferas do século XX, responsáveis pelo Holocausto e pelo Holodomor.