Em Outubro de 2017, quase dois anos após ter sido criado o Coro Setúbal Voz (Fevereiro de 2016) e a Associação Setúbal Voz, (Junho de 2016), o maestro e compositor Jorge Salgueiro assumiu a sua direcção artística.
Jorge Salgueiro está connosco há quase cinco anos consecutivos, altura de procurarmos efectuar um balanço objectivo, mas também emocional.
Ambos estão indissociavelmente ligados, como iremos ver.
Desde sempre que Setúbal tem estado associada a uma menoridade cultural, decorrente de condicionalismos diversos, aos quais a proximidade de Lisboa não é alheia. O centralismo asfixiante da capital que se traduz na perda de autonomia administrativa, com Lisboa e Vale do Tejo a ocupar todos os espaços, constitui um motivo de grande preocupação.
Vejam como tínhamos a Região de Turismo da Costa Azul e como passou a fazer parte da tal Lisboa e Vale do Tejo que-é-sempre-muito-mais-Lisboa-que-Vale-do-Tejo.
Vejam também como tínhamos a Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra e como passou a ser também inserida nessa mega-estrutura densa e centralizada, num país que necessita precisamente do contrário.
Das descentralizações; sobretudo, das mentes.
Muitos artistas acham desprestigiante descer da capital e atravessar o Tejo, para virem a Setúbal. Não o dizem explicitamente, mas podemos intuí-lo. E nas recusas.
É precisamente contra este status quo que Jorge Salgueiro tem pretendido desenvolver também a sua actividade como maestro e compositor.
Homem extremamente inteligente, de uma forte cultura e sensibilidade pessoal e artística, Jorge Salgueiro tem vindo a modificar radicalmente o paradigma coral em Setúbal e, porque não dizê-lo, também em Portugal.
Onde antes existiam coros que actuavam de uma forma fisicamente inerte, com uma acentuada inexpressividade corporal, o maestro introduziu uma nova, fascinante e apelativa maneira de encararmos o corpo, movimentações artísticas totalmente dinâmicas, em que este faz parte intrínseca de uma coerência que se tem vindo a acentuar nos múltiplos espectáculos que temos vindo a realizar, com a preciosa colaboração de Iolanda Rodrigues, membro da direcção artística da Associação Setúbal Voz.
Nestes quase dois anos que durou a pandemia, Jorge Salgueiro transformou aquilo que poderia ter sido naturalmente um forte constrangimento, numa imensa oportunidade artística.
Durante esse período de tempo, a nossa Associação Setúbal Voz, com o seu Coro Setúbal Voz, o Ateliê de Ópera de Setúbal e a Companhia de Ópera de Setúbal, realizou o Elucidário da Melancolia, Os Fantasmas de Luísa Todi, Nessun Dorma, a reabertura ao público do Convento de Jesus, A Casa de Emília, os vídeos Amor, Ópera de Carnaval, A Vingança, os vídeos Quarenta e Sete Canções da Liberdade, em homenagem aos quarenta anos do 25 de Abril, Penitência à Virgem das Águas, A Nave dos Diabos, Os Xubis, dez recitais de música no Convento de Jesus, a edição de um CD e de um livro, num total de oitenta actividades, o que é absolutamente notável para um grupo com características amadoras, mas a quem Jorge Salgueiro veio incutir uma matriz, uma atitude, um espírito e uma essência extremamente profissionais.
Só assim se compreende, por exemplo, a nossa presença no Teatro Nacional Dona Maria II, em 2019, realizando nove espectáculos do “Purgatório”, em estreita colaboração com a prestigiada Companhia de Teatro O Bando, ou as sucessivas presenças no Festival de Canto Lírico de Guimarães, estando prevista a nossa actuação neste ano de 2022, interpretando a ópera Carmen, de Bizet.
Jorge Salgueiro é, sem qualquer sombra de dúvida, um dos mais prestigiados e categorizados maestros e compositores portugueses da actualidade.
Finalmente entramos uma dimensão intangível. O maestro veio também inundar os nossos espaços emocionais e afectivos, com a sua amizade, a infinita capacidade de sonhar, de procurar perseguir em permanência a linha do horizonte, para lá da imaginação tornada realidade com ensaios, concertos, projectos, sonhos, contrariedades, casa-às-costas, imensa qualidade artística, emoções transbordantes, alegria efusiva estampada em todos os rostos.
A música entrelaça-nos.
Caro amico; fica aqui, neste singelo, mas significativo texto, um importante tributo de reconhecimento, apreço e amizade.