“(…) Sempre foi uma mulher corajosa e sem restrições ideológicas: tornou-se dirigente da Mocidade Portuguesa Feminina, ao mesmo tempo que encenava peças de Federico Garcia Llorca ou de Bernardo Santareno com os seus alunos. Ao longo da sua vida tocou-me particularmente o seu sentido de Justiça, a defesa dos mais fracos, e acima de tudo, o seu coração enorme.
Fechou hoje os olhos, finalmente, depois duma longa agonia de três anos, tranquilamente, como uma vela que se apaga.
No final duma vida bem preenchida, resta-nos a memória. E essa, não se extingue. Continua sempre. Afinal, eu não perdi a Mãe: ela vive comigo, até ao final dos meus dias.”
Jorge Paulino Pereira
Há um bom par de anos atrás, cruzei-me com a Dra. Auzenda, quando esta ia a sair da sua residência, na Av. 22 de Dezembro, em frente aos Correios. Já não a via há algum tempo.
Olhou para mim com aquele sorriso franco e com aqueles olhos achinesados que se acentuavam quando sorria, abraçou-me, beijou-me e disse-me “Olha o meu menino !!!”.
Já não me chamavam assim há muito tempo.
Perguntou-me como ia a Educação, os professores, os alunos e o ensino em geral. Quando respondi à sua pergunta e a enquadrei brevemente em algumas realidades do nosso ensino actual, a Dr.ª Auzenda abriu muito os olhos e exclamou “que horror!!! Eu já não saberia o que fazer”.
Auzenda de Carvalho Caetano Paulino Pereira nasceu em Alvaiázere, distrito de Leiria, a 15 de Julho de 1922.
Viveu a sua infância e adolescência em Coimbra, onde residia com a família. Efectuou todos os estudos em Coimbra, até se licenciar em Filologia Românica, pela Faculdade de Letras na Universidade de Coimbra, nos finais dos anos 40.
Aí conheceu José Paulino Pereira, que viria a licenciar-se em Medicina e com quem se viria a casar em Coimbra, nos anos 50.
Leccionou um ano lectivo em Coimbra, no Liceu D. João de Castro, seguidos de dois anos no Liceu da Figueira da Foz.
Efectivou-se como professora no Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho, em Lisboa.
Ficou posteriormente colocada no então Liceu Nacional de Setúbal, tendo vindo viver para a nossa cidade, onde se radicou.
Em boa hora o fez. Ficámos todos a ganhar com isso.
Teve três filhos: um filho falecido pouco tempo depois de nascer, em 1953, Luís e Jorge Paulino Pereira, nascidos respectivamente em 1955 e 1958. Ambos médicos.
Como professora, procurava integrar o teatro na sua prática pedagógica com os alunos, encenando peças de Federico Garcia Lorca, Bernardo Santareno, Almeida Garrett e Anton Tchekhov, entre outros.
Foi delegada distrital da Mocidade Portuguesa Feminina, organizando muitas actividades sociais, tais como exposição de berços e apoio às mães e famílias carenciadas do distrito.
Foi uma das fundadoras do Coral Luísa Todi, bem como coralista, realizando o primeiro concerto oficial, ocorrido em 1963.
Aposentou-se no final dos anos 70, tendo mantido aulas de apoio sempre gratuitas, na sua residência, a todos os que lhe solicitavam apoio, nomeadamente os que tinham mais dificuldades económicas.
Tive o privilégio de ter sido seu aluno, no antigo 5º ano (actual 9º ano). Se gosto muito de Camões e dos Lusíadas, devo-o inteiramente a si e à sua forma de ensinar.
Para além das questões de forma, métricas, sonetos, quadras, tercetos, seduzia-nos com a sua vivacidade, o carácter dinâmico que imprimia às suas aulas, bem como o paralelismo constante que fazia, descodificando as palavras eruditas de Camões e enquadrando-as nos principais acontecimentos da História de Portugal.
A Dr.ª Auzenda Paulino Pereira foi, indiscutivelmente, uma das mais importantes, carismáticas, prestigiadas e categorizadas professoras que passaram pelo Liceu Nacional de Setúbal/Escola Secundária de Bocage, influenciando sucessivas gerações de alunos, com o seu saber enciclopédico, a sua vasta cultura, a sua simpatia e simplicidade, o seu exemplo e a sua dimensão humana.
Com a sua morte, a nossa cidade de Setúbal fica órfã de uma das suas mais distintas representantes.
Até sempre, Dra. Auzenda e Muito Obrigado por tudo.