Nos meus tempos de Universidade, na cadeira de Ciências da Terra I, exame prático, apresentaram-me um tabuleiro com várias rochas. Tinha de utilizar métodos diversos, para as caracterizar e identificar.
No meio das rochas surgiu no “nosso” Conglomerado Calcário. Lembro-me de ter feito um brilharete com a sua caracterização, dada a exaustividade com que me debrucei sobre a rocha. Estava a jogar “em casa”.
Conglomerado Calcário e Brecha da Arrábida são, respectivamente, os nomes científico e comercial com que é conhecida a nossa bela e ornamental rocha.
José Carlos Kullberg, professor do Departamento de Ciências da Terra e investigador da Universidade Nova de Lisboa, liderou o grupo de investigadores que contribuiu decisivamente para a classificação da Brecha da Arrábida como “Pedra Património Mundial” (Heritage Stone).
Além de José Carlos Kullberg, integraram a equipa que investigou esta pedra e conduziu o seu processo de candidatura a “Pedra Património Mundial”, António Prego, professor em Almada e Luís Lopes, Tiago Alves e Ruben Martins, da Universidade de Évora.
A importância histórica e relevância arquitectónica das aplicações da Brecha da Arrábida, aliadas aos valores geológicos, culturais e pedagógicos, foram factores determinantes para a sua aprovação como “Pedra Património Mundial”.
A Brecha da Arrábida junta-se agora às duas rochas que tinham anteriormente alcançado este estatuto em Portugal; o Mármore de Estremoz e o calcário Lioz, ou pedra lioz que é um tipo de calcário que se encontra no concelho de Sintra, nomeadamente em Pero Pinheiro e integrando um restrito leque de 32 Heritage Stones classificadas a nível mundial.
Uma Heritage Stone é uma rocha que tem sido utilizada em arquitectura e monumentos significativos, reconhecida como parte integrante da cultura humana.
A nossa Brecha da Arrábida enquadra-se perfeitamente nesta definição, por ter sido explorada como rocha estrutural desde a Época Romana até ao século XV, altura em que passou a ser utilizada como rocha ornamental associada ao estilo “Manuelino” nos exteriores dos monumentos e, a partir do século XVII, no Barroco, sobretudo em aplicações interiores.
O nosso belo e apelativo Convento de Jesus é inteiramente construído com Brecha da Arrábida, quer no interior, quer no exterior. Foi classificado como monumento nacional em 1910.
Foi no Convento de Jesus que em 1494, D. João II ratificou o Tratado de Tordesilhas, em que se dividiu o mundo entre Portugal e Espanha.
Do ponto de vista geológico, a Brecha da Arrábida é uma brecha conglomerática intra-formacional do Jurássico Superior (com cerca de 160 milhões de anos), de suporte granular, com clastos carbonatados de diversas cores, aglutinados por um cimento argiloso vermelho-carbonatado, cuja génese está associada a um carso formado durante um evento de emersão generalizada na Bacia Lusitaniana, resultante da distensão entre as margens Ibérica Ocidental e da Terra Nova.
A primeira referência bibliográfica à Brecha da Arrábida, sem carácter científico, pertence ao linguista e historiador português Duarte Nunes Leão, em 1610.
A primeira referência científica pode atribuir-se ao Barão de Eschwege (1831), ao estudar a geologia da região de Setúbal.
Ao longo dos séculos, esta rocha teve diferentes nomes como Pedra Jaspe (devido à sua cor avermelhada), Vermelho Antigo, Grés Vermelho, Conglomerado d’Arrábida, Mármore Mosaico da Arrábida e Brechas de Portugal.
Nos séculos XIX e XX, esta rocha e o enquadramento geológico em que se insere, foram alvo de inúmeros trabalhos científicos. Os mais recentes destacam a sua relevância no contexto das fases iniciais da abertura do Atlântico Norte durante os períodos Jurássico e Cretácico.
A exploração da Brecha da Arrábida cessou em meados dos anos 70, com a criação do Parque Natural da Arrábida, onde se localizavam as pedreiras.
Tenho em minha casa algumas peças, nomeadamente a mesa da sala, tampos de móveis, suportes e peças decorativas, feitos com essa belíssima rocha.
Aplaude-se, portanto, esta distinção honrosa da nossa Brecha da Arrábida como “Pedra Património Mundial”.