Na semana transacta, estive a refletir sobre a velha aliança Portugal-Inglaterra, que basicamente tem funcionado num só sentido.
Iniciemos o percurso desportivo.
Recuemos ao ano de 1966, Mundial na Inglaterra. Portugal atinge pela primeira vez uma fase final do Mundial.
Em representação do Vitória Futebol Clube, esteve presente o lendário Jaime Graça, na esteira de dois outros grandes futebolistas internacionais vitorianos do passado, João dos Santos e Armando Martins.
Tínhamos uma equipa de sonho: Eusébio, Jaime Graça, Coluna, Simões, Torres, José Augusto, Hilário, José Pereira, etc.
Portugal jogava em Liverpool; a Inglaterra em Londres. Quem fizesse mais pontos, continuaria a jogar em “casa”.
Portugal venceu respectivamente a Hungria, a Bulgária e o Brasil; seis pontos; a Inglaterra venceu dois e empatou um; cinco pontos (na altura, a vitória correspondia somente a dois pontos).
Contudo, e após a vitória contra a Coreia do Norte, foi Portugal que teve de efectuar a viagem de Liverpool, até Londres, contrariando os regulamentos.
Hilário criticou a organização pela alteração do local da meia-final com a Inglaterra: «Os directores da FPF venderam o jogo aos ingleses. Pela pontuação que tivemos, era a Inglaterra que teria de se deslocar a Liverpool. Tivemos de fazer uma viagem de 300 quilómetros de comboio e ficámos num hotel duvidoso, com as ‘meninas’ a passearem, foi tudo programado pela Federação Inglesa. No fim do jogo, o Eusébio abraçou-me a chorar e disse-me: Hilário, fomos enganados!»
José Augusto corrobora: «A Federação Inglesa deve ter pago um bom dinheiro. A sede da FPF era ali no Marquês de Pombal, umas instalações exíguas, e depois do Mundial passou para a Praça da Alegria, com condições excelentes».
Portugal viria a perder o jogo com a Inglaterra em Wembley, por 2-1. Ficaram na retina imagens de Eusébio a sair do campo, chorando convulsivamente.
Portugal alcançaria um honroso terceiro lugar, vencendo no derradeiro jogo, a antiga União Soviética, também por 2-1.
Avancemos até ao Euro 2020. Por causa do Covid, a organização entendeu distribuir os jogos pelas várias cidades europeias.
Até aí tudo bem. Só que… começaram as distribuições das equipas pelos países e cedo se começou a perceber que havia favorecimentos claros, explícitos e indignos.
Senão vejamos: Inglaterra, sete jogos totais, seis em Londres; Itália, Espanha, Alemanha, Dinamarca, três jogos em casa; Escócia, Hungria, Rússia, dois jogos.
Portugal, campeão em título, nenhum. Viagens entre Hungria – Alemanha – Hungria – Espanha.
O caso mais escandaloso ocorreu com a Suíça: viagens entre Azerbeijão – Itália – Aberbeijão – Roménia – Rússia.
Estava tudo preparado para beneficiar os ingleses, o que não se compreende, em termos de equidade.
Tal como sucedeu com a França relativamente a Portugal, em 2016, também os ingleses começaram a dar sinais de sobranceria, vencedores antecipados, limitação abusiva de entrada de adeptos italianos, possibilidade de feriado no dia seguinte, com o primeiro-ministro Boris Johnson a não descartar totalmente essa hipótese, etc.
No futebol, tal como na vida, não há vencedores antecipados.
A Itália acabou por estragar-lhes a festa. Foi, portanto, um Brexit desportivo.
La Squadra Azzurra é uma selecção poderosa, com um palmarés notável:
– Quatro Campeonatos do Mundo: 1934,1938,1982, 2006;
– Dois Campeonatos da Europa: 1968 e 2021.
A satisfação evidenciada por essa Europa com a derrota inglesa no Euro, deveria constitui também um motivo de reflexão sobre qual o seu papel futuro, num contexto europeu.