“Quando a Sociedade não nos colocar as suas talas para nos impedir o crescimento normal, será possível que cheguemos ao mais pleno de nós próprios. Então aí, como cada homem nasce diferente mesmo em cinco biliões de homens, teremos possivelmente uma pluralidade extraordinária no Mundo e faremos algo quase impossível de fazer hoje, que é amarmos a diferença.” – Agostinho da Silva
Em Dezembro passado, segundo dados do relatório “Homofobia de Estado 2020”, da ILGA Mundo (International Lesbian, Gay, Bissexual, Associação Trans e Intersexo), apesar do progresso considerável no quadro de protecção legal dos cidadãos homossexuais, 69 estados membros da ONU continuavam a criminalizar actos sexuais consensuais entre adultos do mesmo género. Mais grave, parece-me, é verificar que pelos menos 34 desses países implementaram activamente leis de criminalização durante os últimos cinco anos, sendo que algumas das sentenças envolvem prisão, açoitamento público ou mesmo a morte.
Do outro lado da moeda, refere o mesmo estudo, a legislação que protege estes cidadãos continuou a expandir-se. Exemplo disso, são os 81 países com leis de protecção laboral contra a discriminação com base na orientação seuxal e o casamento entre pessoas do mesmo sexo uma realidade em 28 estados membros da ONU.
Neste cenário, Portugal é considerado um dos dois países da União Europeia onde existe mais proteção constitucional aos homossexuais, com destaque para a descriminalização da homossexualidade com a revisão do Código Penal de 1983, a alteração do artigo 13.º da Constituição da República que passar a prever no princípio da igualdade o respeito pela orientação sexual, a Lei nº 9/2010, de 31 de Maio, que reconhece e legaliza o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, e a alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 2/2016, de 29 de fevereiro, que veio a permitir a adopção por casais do mesmo sexo.
Contudo, no nosso país ainda existe discriminação assente na orientação sexual.
Exemplo disso, foi o caso de um cidadão que, em Janeiro passado e respondendo ao apelo à dádiva de sangue do Instituto Português do Sangue e da Transplantação, ao predispor-se à dádiva foi rejeitado no seguimento da revelação que teria um parceiro e não uma parceria. “Homens que fazem sexo com homens não podem doar sangue”, ter-lhe-á sido dito pelo técnico. Ora tal afirmação, não só não corresponde à verdade como deixa evidente a homofobia ali patente.
Outro exemplo ainda diz respeito às chamadas terapias de conversão, assentes no pressuposto que a orientação sexual, identidade ou género não hegemónicas são patologias, perturbações mentais, e não algo natural e intrínseco a cada indivíduo. Custa a crer que em pleno século XXI, estas práticas, desacreditadas pelas mais credíveis organizações de saúde médica e mental, continuam a existir sem que a legislação reforce a sua insustentabilidade e completa falta de fundamentação científica.
Estamos, como se vê, ainda num longo caminho pelo reconhecimento integral do Ser Humano, da nossa pluralidade sexual, social e cultural. São dimensões tão ricas e diversas que, combinadas entre si de tantas formas possíveis, resultam numa miríade infinita de idiossincrasias. Em comum, há o desejo de aceitação de que todas devem ser respeitadas, desde que concretizadas no respeito por si mesmo e pelo o Outro.