Palmela: Orçamento Participativo, nem tudo o que parece é

Palmela: Orçamento Participativo, nem tudo o que parece é

Palmela: Orçamento Participativo, nem tudo o que parece é

23 Março 2021, Terça-feira
Manuel Henrique Figueira - Munícipe de Palmela -manuelhenrique1@gmail.com

Caro leitor, o «Boletim Municipal – Palmela Informa, n.º 165», deste mês, traz alguns resultados da discussão do Orçamento Participativo (OP) que ocorreu em 2020, o qual será executado em 2021. E «O Setubalense», de 24/11/2020, trouxe informações mais detalhadas.

As formas de participação dos cidadãos na resolução de problemas das comunidades surgiram na década de 1970, com as assembleias de cidadãos ― pontuais ou permanentes ― nos EUA, Canadá, Alemanha, Dinamarca, Holanda, Irlanda, Reino Unido, Bélgica, França, Escócia e Austrália. Nessa década, no Brasil, surgiu o OP, que se desenvolveu de 1980 em diante e se expandiu noutros países. Uma cópia do OP de Porto Alegre foi aplicada pela primeira vez na Europa, em 1994, em Grottammare (um concelho com 16 mil habitantes), junto ao mar Adriático (Itália). Em Portugal, em 2002, Palmela foi pioneira, e em 2015 havia 83 autarquias com OP, com várias configurações, tendo depois aumentado muito e abrangido outras instituições, como o Governo (o primeiro OP de Portugal é de 2017).

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Segundo a informação da Câmara de Palmela no «Boletim Municipal» e no jornal «O Setubalense» que referi no início, o OP de 2020 teve 3409 participações de munícipes, através de 561 questionários respondidos (289 por via «online»). Daí resultaram 580 propostas para obras que a Câmara deveria executar nas quatro freguesias do concelho e, ainda, «70 sugestões para o desenvolvimento futuro deste processo participativo». As 580 propostas incidiam nestas áreas: Rede viária e mobilidade; Redes sanitárias (água e esgotos); Lazer, bem-estar e desporto; Educação.

Mas das 580 propostas foram pré-selecionadas cinco por cada uma das quatro freguesias, o que daria vinte: mas resultaram vinte e cinco. Isto porque em Palmela se fala, teimosamente, em cinco freguesias quando há só quatro, para manter acesa a chama da reposição anterior à Reforma de 2013 (que fundiu a Marateca e o Poceirão, e ter assim um capital de queixa contra o poder central, o culpado de todos os males do concelho, sem que nunca se enumere, com minúcia e clareza, o grande malefício que resultou da fusão).

Das 25 propostas pré-seleccionadas, quinze referem-se à rede viária e à mobilidade (onze asfaltamentos de estradas; construção de rotunda; construção de passeio; desvio de trânsito pesado; reforço do transporte público escolar), quatro às redes sanitárias (ligação de um bairro à rede de esgotos ― mesmo nas barbas da Câmara, não nos confins do concelho; reabilitação de uma fonte; construção de uma estação elevatória; remodelação e adequação de uma estação elevatória), cinco referem-se ao lazer, bem-estar e desporto (criação de zona de lazer e circuito de manutenção; construção de polidesportivo; construção de parque infantil; requalificação de polidesportivo; construção de zona de lazer e parque infantil); uma à educação (requalificação de uma escola básica).

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No final do processo, vota-se apenas uma proposta por cada freguesia que a Câmara se compromete a executar como obra (e, num acto de grande magnanimidade, digo eu com ironia, refere que «tem concretizado sempre a primeira prioridade de cada freguesia, mas também tem dado resposta a outras obras consideradas urgentes».

Concluindo: de 580 propostas iniciais de obras que os munícipes consideraram prioritárias, as quais, escrutinadas pelo crivo dos serviços que analisaram o processo, correspondiam a necessidades reais e exequíveis, só cinco serão realizadas pela Câmara: não é muita parra para tão pouca uva? É, mas é também um belo retrato do estado do concelho duas décadas adentro no século XXI, após 45 anos de poder local democrático.

Noutros países (França, Alemanha, Escócia, Irlanda, etc.) concluiu-se que o modelo de OP é de outro tempo, outros mais adequados à realidade se impuseram: amostras cientificamente representativas de cidadãos; escolha de cidadãos por empresas de sondagens; painéis de cidadãos a funcionar como nos júris (com contraditório entre peritos e jurados a partir de informação técnica): mas não será isto areia demais para a camioneta de Palmela?

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