Bolsonaro, o atual presidente brasileiro, afirmou que para acabar com a pobreza bastaria esterilizar os pobres. Cada ditador parece ter solução para construir uma sociedade- a sua sociedade- sem pobres, a qual, obviamente, não passa por melhor distribuição da riqueza.
Em 1951, em entrevista à jornalista francesa Christine Garnier, Salazar afirmou «Sou camponês, filho de camponeses. Não posso viver sem respirar o cheiro da terra.» O homem criado no campo, alimentado com produtos da sus própria terra, até aos onze anos quando partiu para Viseu, desconfiava do progresso, do desenvolvimento rural e industrial, que via como um perigo para a paz nas ruas, que tanto gostava de proclamar. No II plano de fomento (1958) que contempla apoio à agricultura, não surge uma única referência à melhoria das condições de vida das populações rurais da região do «celeiro de Portugal». Só, em 1960, após muitas lutas, os trabalhadores rurais alentejanos passaram a ter, no verão, duas horas para almoço e meia hora para a merenda, embora continuassem a trabalhar onze ou doze horas diárias. Se a pobreza das gentes rurais se diluía pelos campos sem testemunho, já nas cidades ela era tão visível que o regime sentiu necessidade de a esconder. Em 1947, a mendicidade foi proibida. Na lei diz-se:
Artigo 1º _ A mendicidade é proibida em todo o País e o seu exercício implica a aplicação das medidas previstas neste diploma.
Artigo 2º_ São considerados mendigos os indivíduos que explorem em proveito próprio a caridade pública, directa ou indirectamente, por forma aparente ou disfarçada.
Artigo 3º _ Os inválidos ou incapazes e os menores de 16 anos encontrados a mendigar serão, conforme os casos: a) entregues à família ou a quem se responsabilize pelo seu sustento e agasalho, gratuitamente ou mediante remuneração; b) internados em estabelecimento adequados; c) remetidos à Comissão de Assistência do domicílio de Socorro.
O jornal O Século de sete de julho de 1947, informa na primeira página que «É proibido andar descalço»; já o Diário de Notícias de 26 de julho de 1947, igualmente na primeira página, esclarece as penas a aplicar aos mendigos: «Todos quantos explorem diretamente ou indiretamente a caridade pública terão destino adequado: internamento- para incapazes e menores- colocação- para desempregados; e correção – para os que não querem trabalhar»
Freitas do Amaral conta no seu livro O Antigo Regime e a Revolução um episódio, passado em 1965, bem ilustrativo do que pensava o ditador português sobre a pobreza existente no Portugal rural. O subsecretário de Estado do Tesouro, Ricardo Faria Blanc trabalhava com o ministro das finanças, Ulisses Cortês, o qual se encontrava doente. Como a verba destinada aos melhoramentos rurais era de tal modo insignificante, Ricardo Blanc propõe ao ministro triplicar o montante, o que foi aceite. O jovem subsecretário de estado vai junto do chefe do executivo justificar a verba, o que levou Salazar a perguntar-lhe o que tinha em vista. O seu subordinado explicou que era necessário modernizar as terras do interior, nomeadamente, garantir o abastecimento de água canalizada, eletricidade, telefone, acabar com as fontes…
Logo Salazar o interroga:
– O senhor de onde é natural?
Foi esclarecido que o seu subalterno tinha nascido em Azeitão.
– Pois é. Então não tem terra. O senhor não conhece o interior de Portugal. Sabe? As pessoas que ali vivem estão ainda muito arreigadas às suas tradições e modos de vida seculares. Se lhes levamos o progresso de repente, perturbaremos gravemente os seus equilíbrios naturais. Por exemplo, se acabarmos com as fontes e lhes levarmos a água a casa, as mulheres já não terão de ir todas as manhãs com o cântaro à fonte: como é que elas hão-de poder pôr a conversa em dia umas com as outras?
A decisão estava tomada, respeito pelas tradições, as gentes dos campos continuariam a viver como há séculos e séculos!
No passado e no presente, a razão da existência de pobres é que, como refere a organização não governamental Oxfam, 80% da riqueza mundial pertence a 1% da população, tendo-se verificado, em 2017, um «aumento histórico do número de multimilionários.» Acrescenta a referida organização que a riqueza desses multimilionários aumentou 762 mil milhões de dólares, quantia suficiente para acabar mais de sete vezes com a pobreza extrema no mundo.
Terão os Portugueses contribuído para o aumento dessa riqueza? Certamente que sim, através dos milhões injetados na banca e das últimas empresas privatizadas que aumentaram os lucros à custa da prestação de piores serviços.