O verão quente de 1975 está de volta?

O verão quente de 1975 está de volta?

O verão quente de 1975 está de volta?

9 Dezembro 2020, Quarta-feira
Francisco Cantanhede

Eu, que vivi o período do chamado verão quente de 1975, vislumbro algumas semelhanças com o atual momento político e social que se vive no nosso país, com tendência a agravar-se. A sociedade, em combustão lenta, mas progressiva, polariza-se. A comunicação social e as redes sociais demonstram-no. Os extremistas, entrincheirados na barricada da intolerância, destilam ódio ideológico, chegando às ameaças físicas. As propostas que violam os Direitos Humanos, que envergonham a democracia vão surgindo, mobilizando o batalhão de descontentes com o regime democrático, que identificam com «o viver à custa de quem trabalha» e com a corrupção.

A etnia cigana é sempre dada como exemplo dos que «vivem à custa dos outros». Recorde-se que, de acordo com um estudo realizado pela Universidade do Minho, em cada cem pessoas que beneficiam do rendimento de reinserção social, apenas 3,9 são de etnia cigana.

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Claro que há políticos corruptos que devem prestar contas à justiça, mas a corrupção é transversal a toda a sociedade, embora os políticos apareçam em primeiro lugar porque são- e bem- os mais escrutinados pela comunicação social. Logo, quem quer realmente combater a corrupção, deve começar por não se envolver em atos ilícitos. E se o poder judicial não atacar em força a grande corrupção, os cidadãos devem ir para a rua gritar, sem, contudo, permitir o oportunismo de alguns políticos que pretendem ser arautos da honestidade, mas têm currículos sujos, bem sujos, por exemplo, pelos escândalos bancários.

O descontentamento para com o regime democrático- como se fosse a democracia a responsável pelas más ações de alguns- foi o gatilho para a erupção do populismo de extrema direita que apresenta propostas disparatadas, próprias de tempos medievais e não do século XXI. Surgiram políticos sem escrúpulos no que respeita aos Direitos Humanos, que recentemente defenderam a proibição de fotografar cenas em que estejam envolvidos membros das forças policiais. A tornar-se lei esta proposta, qualquer agente da autoridade acusado, por exemplo, de tortura, teria grandes hipóteses de ser inocentado por falta de provas; o mesmo aconteceria se os agentes fossem apedrejados ou recebidos a tiro por criminosos. Por outro lado, parece que se quer fazer crer que todos os agentes das forças de segurança precisam de ser defendidos através da proibição de filmagens, o que não é verdade. Muitos, a esmagadora maioria, dos agentes policiais são verdadeiros cidadãos respeitadores dos Direitos Humanos. O extremismo também se verifica no outro lado da sociedade, pois há quem defenda os que agridem os agentes no cumprimento das suas funções. Um dos exemplos mais recentes passou-se para os lados da Baixa da Banheira: dez agentes da PSP foram recebidos com pedras e garrafas ao procurarem evitar um linchamento público. Tão condenável é o ato de tortura por parte de um agente policial, como a agressão por parte da população aos agentes das forças de segurança.

Para combater o extremismo, é imprescindível combater as causas que lhe são inerentes, logo é indispensável trabalhar-se a cidadania nas escolas, é fundamental não esquecer que a construção de um bom cidadão começa em casa, é urgente que toda a comunicação social e os políticos sejam isentos, logo educativos, perante determinadas situações. As visões maniqueístas são corrosivas da democracia. Compete aos verdadeiros cidadãos, aos democratas impedir que a divisão, o ódio, a intolerância que provocaram confrontos físicos e atentados bombistas, acompanhados de várias mortes, no verão quente de 1975, voltem a fazer parte do nosso dia a dia.

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