“Incomoda aos populistas de cada extremo a existência de dados estatísticos que possam contrariar as respectivas narrativas.” – Esta frase, partilhada por alguém muito próximo de mim numa rede social e que transcrevo com a devida autorização, sintetiza, de forma certeira, um dos grandes desafios do debate público atual.
A propósito da proposta da Iniciativa Liberal para incluir dados estatísticos relacionados com a nacionalidade, entre outros, no Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), surgiu no espaço mediático e nas redes sociais uma grande discussão sobre se este tipo de dados deveriam ser recolhidos, analisados e, principalmente, publicados. Tudo resultado da crescente polarização do debate em torno da imigração, em particular da que é proveniente de países com culturas mais distintas da nossa. A questão é que este debate assenta mais em narrativas do que em factos; narrativas que surgem nos extremos do espetro político e que têm como finalidade, apenas, criar divisão entre pessoas para fins políticos e partidários. Por este motivo, para quem prefere o simplismo ou a sinalização de virtude à conta de uns e o ódio contra os outros, os dados e os factos são incómodos. Para os populistas – sejam eles do Chega ou do Bloco de Esquerda – a realidade baseada em números é um incómodo e estraga a narrativa. Para todos os outros, a começar por aqueles que represento, os Liberais, os dados permitem identificar problemas e aplicar boas políticas públicas.
Vivemos num tempo de perceções. O próprio Governo já mostrou que age em função de “sensações” e não, necessariamente, com base nos dados disponíveis. Ao mesmo tempo, na comunicação social, assistimos a comentadores a negar essas mesmas “sensações” com base em pouco mais do que nas suas convicções.
Recentemente, em temas como o acesso de estrangeiros ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) ou da criminalidade associada à imigração, assistimos a isto. Dizer que “os estrangeiros estão a sobrecarregar o SNS sem contribuir” é um exemplo clássico de uma narrativa errada, mas eficaz em termos de mobilização popular. Quando temos acesso ao número e ao custo dos estrangeiros (não residentes) que usam o SNS, verificamos que, afinal, a realidade é diferente da perceção, porque, afinal, essa utilização é residual no “monstro” que é o SNS, e que uma simples proposta como a da Iniciativa Liberal para a criação de um mecanismo mais eficaz de cobrança dos serviços de saúde prestados é uma solução prática e justa para uma questão de princípio. O mesmo acontece com a perceção de que o “aumento da imigração está a aumentar a criminalidade”. Os dados do RASI não mostram um aumento da criminalidade, mas, ainda assim, para esta análise, estão incompletos. É por isso que a Iniciativa Liberal quer mais dados, como a informação da nacionalidade por criminalidade participada.
A clareza da informação é fundamental para que as perceções não continuem a alimentar preconceitos ou a atribuir culpas coletivas, mas, acima de tudo, para promover políticas públicas que eliminem injustiças e fortaleçam a confiança das pessoas nas instituições e no país. A falta de rigor nas ideias e nas decisões só alimenta a desinformação, gera desconfiança e favorece o populismo. E é este o círculo virtuoso que incomoda os populistas: a existência de um país justo e seguro, com uma sociedade informada, onde os factos desmontam o simplismo e a política resolve problemas em vez de os agravar.