Adoro livros sobre espionagem, principalmente se foram baseados em histórias verídicas, em que a realidade suplanta de forma determinante a ficção.
É claramente o caso com este livro cujo título é “O Espião e o Traidor” do escritor britânico Ben Macintyre, considerada por muitos uma das melhores histórias de espionagem da Guerra Fria.
A narrativa centra-se na figura de Oleg Antonyevich Gordievsky, coronel do KGB, os serviços secretos soviéticos. Um agente extremamente eficaz, com missões cumpridas sempre com assinalável êxito e sucessivamente promovido. Considerado um agente modelo, Gordievsky era, ao mesmo tempo, um espião ao serviço do Reino Unido.
As informações que fornecia ao longo dos sucessivos anos, chamaram a atenção da primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher, que considerava Gordievsky um espião bem diferente dos espiões tradicionais.
Margaret Thatcher entendia que o Gordievsky não se limitava somente a transmitir informações avulsas, mas comentários, apreciações e reflexões politicamente muito relevantes, mostrando com muita nitidez qual o pensamento estratégico dos dirigentes soviéticos perante o Ocidente.
Segundo Ben Macintyre, era muito provável que nenhum primeiro-ministro alguma vez tenha seguido o caso de um agente britânico com tanta atenção como a senhora Thatcher dedicou a Gordievsky.
Mais tarde, as informações foram alargadas aos Estados Unidos e a Ronald Reagan. As fontes americanas na União Soviética forneciam essencialmente informações sobre as forças armadas, bem como investigações diversas e desenvolvimento militar. Todavia, as informações de Gordievsky eram algo de fundamentalmente diferentes; eram informações sobre a forma de pensar do comando soviético.
Tanto ingleses como americanos tinham perfeita consciência que estavam perante alguém que arriscava a vida algures no interior do sistema soviético e, portanto, todas as informações recebidas eram tratadas com todo o cuidado, vistas apenas por um pequeno grupo que as lia em papel, em condições rigorosas, antes das folhas serem guardadas.
Gordievsky avisou Thatcher que a União Soviética pretendia efectuar interferências ocultas, mas directas para mudar as eleições de 1979 no Reino Unido a favor do candidato da sua preferência, tal como Putin viria a fazer décadas mais tarde a favor de Donald Trump.
O KGB pretendia influenciar as eleições a favor do Partido Trabalhista. Aos olhos do Kremlin, Thatcher era a “Dama de Ferro”, hostil, logo deveria ser afastada.
Contudo, os esforços do KGB para mudar o resultado das eleições não tiveram qualquer impacto, uma vez que Margaret Thatcher obteve uma vitória esmagadora, reforçada pela vitória na guerra das Malvinas, no ano anterior.
Segundo Ben Macintyre, Oleg Gordievsky desvendou o funcionamento interno do KGB num momento crucial da história, revelando não apenas o que os serviços secretos soviéticos estavam a fazer (e o que não faziam), mas o que o Kremlin estava a pensar, a planear, e ao fazê-lo transformou a forma como o Ocidente pensava na União Soviética.
As autoridades soviéticas desconfiavam de Gordievsky, pelo que foi interrogado pela KGB durante várias semanas e informado de que nunca mais seria enviado em missão no exterior. Embora suspeitassem que ele poderia estar ao serviço de uma potência estrangeira, em Junho de 1985, foi autorizado a voltar para seu apartamento em Moscovo, onde encontrou sua esposa e dois filhos.
Mesmo encontrando-se sob vigilância da KGB, conseguiu informar o MI6 de sua situação, tendo os britânicos reactivado um plano de evacuação que havia sido desenvolvido durante muitos anos para emergências como esta.
Em 1985, Gordievsky conseguiu escapar à vigilância da KGB e utilizar um comboio que o levou para a fronteira com a Finlândia, onde o aguardavam viaturas da embaixada britânica, que o fizeram entrar nesse país e daí para Inglaterra.
Gordievsky foi posteriormente condenado à morte à revelia por traição, uma sentença que nunca foi revogada pelas autoridades russas após a queda da URSS.
A sua esposa e filhos – que estavam de férias no Azerbaijão na época de sua fuga – foram autorizados a juntar-se-lhe no Reino Unido seis anos depois, graças à pressão do governo do Reino Unido e pessoalmente da primeira-ministra Margaret Thatcher, durante os seus encontros com Gorbachev.
Eis um excelente livro que aconselho vivamente.