Na edição de 23 de Novembro de 1914 da “Ilustração Portuguesa”, Augusto de Castro assina uma crónica emocionada cujo assunto é o poema “Ode à Bélgica”, de João de Barros (1881-1960), publicado por essa altura: “canta, num ritmo emotivo e poético, as lágrimas e as ruínas da Bélgica violada e massacrada. (…) Chora a dor da Bruges triste, das cidades incendiadas, dos lares enlutados, dos templos destruídos – e a sua visão evoca a Bélgica redimida de amanhã.”
Em causa estava o sofrimento belga, no contexto da Primeira Guerra Mundial, pois, logo no início de Agosto, o país, que se afirmara neutro, foi invadido pelos alemães e, até Outubro de 1914, padeceu de violência sobre a população civil em elevado grau, sendo referência maior o massacre de Dinant, em 23 de Agosto, com 674 civis fuzilados.
Dedicado aos “amigos de Bruxelas”, o poema é organizado em seis partes, composto por dísticos e um monóstico no final da primeira parte, em métrica hendecassilábica. O tom do sofrimento surge logo no início – “Bélgica formosa, Bélgica fecunda, / Bárbaros sem alma vão-te assassinar! // Na loucura torpe, que incendeia e mata, / sobre ti lançaram garras de ambição! // Sobre ti lançaram, corpo e tenro moço, / mãos de violência, de extermínio e roubo!” -, sendo toda a primeira parte povoada com imagens da destruição por causa da guerra. Perante tal devastação, o poeta lembra na parte seguinte os aspectos bons que o ligam à Bélgica – pessoas, paisagem, paz – até chegar à memória das cidades, ao mencionar “a melancolia dessa Bruges morta, / da cidade morta dos canais que sonham”, imagem em que ressoa o título de Georges Rodenbach (1855-1898), “Bruges, a morta”, de 1892, personificação daquele espaço, ou um conhecido poema de Mallarmé (1842-1898) dirigido aos amigos belgas, textos que quase conferem o estatuto de romantismo e de arquétipo àquela cidade.
A terceira e a quarta partes constituem uma tela de saudade e de evocação sobre Bruges, onde o poeta ouviu “um Passado inteiro palpitar, erguer-se”: figuras das rendeiras de bilros, “cantos esquecidos”, imagens do passado de artistas e de príncipes, sonoridades dos sinos e dos canais, luminosidade e névoa, uma “paleta” para se “combinarem os mais raros tons”, um espaço para amar. Este êxtase é contrariado quando o poema se aproxima do final, perante uma cidade esmagada e melancólica sob o peso invasor – “Pois o teu encanto, pois a tua graça, / Bruges sem defesa, já tos violaram! // Bruges dolorosa, Bárbaros sem alma / pisam tuas ruas, turvam teus canais!”
O poema conclui com a esperança na recuperação dos valores que a Bélgica representava, assentando sobre um tom exortativo e heróico – “Tu, caminha e luta; tu, combate e canta / Alma de coragem, Força de triunfo!” – e anunciando um ressurgimento “que há-de ser em breve, Bélgica formosa, / Bélgica fecunda, teu Futuro altivo!”
Em 7 de Março de 1915, em Lisboa, no Politeama, “Ode à Bélgica” era apresentada como poema sinfónico, em composição do grandolense Teófilo Saguer, estruturado em três números – “Bélgica invadida”, “Rendeiras de Bruges” e “Bélgica heróica” -, que “recebeu muitos aplausos, o que também não nos admira, pois o assunto está na ordem do dia”, assinalava o crítico da revista “A Arte Musical”, de 15 de Março.
Com esta obra, João de Barros enfileirava no rol dos artistas e pensadores republicanos cuja arte favorecia a propaganda contra a Alemanha no conflito da Grande Guerra.