Houve um tempo em que o país tinha uma policia de investigação e defesa do estado com um número de agentes e informadores que segundo alguns cálculos rondariam os 20.000 individuos, mas sem certezas quanto a este número dada a existência de muitos informadores informais que a troco de uns escudos denunciavam até a avó, contudo, devidamente encartados seriam uns 2.000 e tal, foi pelo menos o que revelava, ao serviço até 25 de Abril de 1974, a relação dos agentes, pessoal administrativo e auxiliar da ex-pide/dgs emitido pelo secretariado técnico dos assuntos politicos do ministério da administração interna em 1975.
Seria interessante verificar no Diário do Governo nº 279-II Série de 21 de Dezembro de 1954 a extensa lista dos funcionários da pide para preenchimento de lugares previstos no decreto-lei 39749 de 9 de Agosto de 1954.
Do que lhes aconteceu no pós 25 de Abril muito pouco de concreto se sabe, sabemos que alguns dos mais conhecidos por terem sido considerados “torturadores implacáveis e perversos” ainda teriam sido julgados e condenados a penas de prisão pouco severas e que tanto quanto se sabe não seriam cumpridas na íntegra.
Muitos dos ex-agentes da pide, seriam entretanto e após cumpridas as formalidades dos julgamentos, reintegrados na função pública, enquanto os ex-tarrafalistas que conseguiram sobreviver ao inferno do “Campo da Morte Lenta” quebrados por anos de má-nutrição, doenças tropicais, castigos corporais, mentais e intelectuais, lutavam pela sua sobrevivência e readaptação a um mundo quer familiar quer profissional que em muitos casos tinha desistido deles por não “suporem” a possibilidade do seu regresso.
E é neste “não suporem a possibilidade do seu regresso” que reside a diferença relativamente aos ex-combatentes nas ex-colónias, porque desses e nesses as familias e empregadores sempre depositaram a esperança do seu regresso.
Escrevo esta reflexão 50 anos após os acontecimentos do 25 de Abril por se tratar em parte de “história” da qual também eu faço parte pois tinha 19 anos quando seu deu o 25 de Abril e sendo neta de um Tarrafalista não posso deixar de com muita mágoa, pensar que corremos o risco de voltar a ter policias politicas com agentes que talvez tenham estado em estado larvar, pois bem o sabemos, os agentes da pide do dia 24 de Abril não se volatilizaram na noite para o 25 de Abril, eles continuaram por aí, discretamente, reorganizaram-se e foram sendo readmitidos na função pública como servidores do estado ou a servirem-se do estado, não o sabemos… policiando as nossas vidas… sendo professores, porventura universitários… julgando os nossos actos… secretariando procedimentos administrativos e burocráticos que regulam as nossas vidas diárias, infiltrando-se na vida política… ouvindo as nossas confissões… colonizando mentes e infiltrando-se devagarinho mas eficazmente novamente no sistema!
Muitos terão porventura já morrido mas a força do que aprendemos e transmitimos e do que nos é transmitido permanece num continuum, na fita do tempo e se o desejo de liberdade e igualdade foi transmitido a alguns, a outros foi-lhes transmitido o gosto pela bufaria, pela intriga, pela manipulação e dissimulação.
Como costumo dizer (e é voz do povo) de tal ninho tal passarinho.
Vestem-se como nós, andam como nós, frequentam os mesmos sítios que nós, parecem falar como nós, mas ninguém sabe muito bem como pensam.
Um destes dias ouvi de passagem já não sei onde nem dito por quem que estaria farto de Convicções, e dei por mim a refletir em voz alta:
- Mas sem convicções não somos mais que palha erguida ao vento!