Histórias e memórias de Setúbal: O Balneário Dr. Paula Borba

Histórias e memórias de Setúbal: O Balneário Dr. Paula Borba

Histórias e memórias de Setúbal: O Balneário Dr. Paula Borba

30 Janeiro 2018, Terça-feira
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Caro leitor, dou nota de outro importante e interessante livro sobre a História de Setúbal ─ O Balneário: Memória de Setúbal, da autoria de Francisco Moniz Borba ─ que nos fala de uma instituição marcante da cidade, cujas instalações (junto ao Convento de Jesus), desactivadas desde há muito tempo das funções originais, acolheram até 2013 (provisoriamente e durante demasiados anos) a Galeria Municipal da Pintura Quinhentista.
Não é mais um livro como tantos outros, como o título indica é um repositório de memórias (que nos remetem para recordações) e de histórias (que o autor nos conta sobre a instituição a partir de várias fontes). E evoca, também, o Dr. Francisco Paula Borba, figura marcante da cidade, que foi o inspirador do Balneário e lhe emprestou o nome como patrono.
Trata-se de uma obra estética de elevada qualidade, revelando o bom gosto de quem o imaginou, concebeu, patrocinou e realizou, que nos proporciona uma agradável viagem ao passado, em especial através das belas imagens da época, que nos remetem para os inícios do século XX.
A partir de vários documentos, que reproduz, o autor conta-nos partes da história do Balneário: sobre a génese (motivada pela situação sanitária de vastas camadas da população da cidade e pela sensibilidade humanitária do Dr. Paula Borba, a que um conjunto de pessoas da comunidade deu pronta resposta com vista à sua construção); sobre a obra (mostra-nos as receitas da subscrição pública e as despesas da construção; o projecto de arquitectura; o horário-preçário); sobre o uso que a comunidade lhe deu (impressionam os números de frequência do Balneário, o que nos revela muito sobre Setúbal e o País de 1926 a 1952). Um vasto conjunto de fotografias completa a narrativa: o exterior do edifício; as instalações interiores; muitos artefactos desconhecidos que nos parecem hoje estranhos. O livro termina com uma brochura fac-similada de 1918, onde se presta contas publicamente do estado do empreendimento (o Haver e o Deve das receitas), e que tem uma memória descritiva do que se queria edificar (iniciado em 1919).
Aparentemente, é um pequeno livro sobre uma problemática local ─ a Higiene Pública ─ mas é muito mais do que isso. É uma preciosa fonte de conhecimento sobre as mentalidades, a sociabilidade da época, a solidariedade, o estado de desenvolvimento económico e social do País, o papel dos poderes públicos e das comunidades locais na promoção da saúde. Mas também sobre a inserção das preocupações locais nas preocupações gerais.
Até o início do século XIX, a superlotação dos domicílios urbanos e a pobreza afetavam grande parte da população das cidades e provocavam epidemias que a deficiente alimentação agravava. Os médicos começaram, então, a denunciar as condições de vida como causa principal das enfermidades. O médico alemão Johann Peter Frank, fundador do sanitarismo moderno, publicou A miséria do povo, mãe de enfermidades, que provocou a adesão de outros médicos: introduziu-se, assim, o Higienismo na Medicina, para erradicar as doenças contagiosas.
Na segunda metade do século XIX, as pesquisas de Koch e Pasteur confirmaram os micro-organismos como causa das doenças, fornecendo, assim, uma base científica ao Higienismo: a Higiene passou a ser uma questão social.
Como se sabe, toda a História Local é nacional, pertence a um todo nacional (o que se passava em Setúbal nesta matéria não era diferente do que se passava no resto do País) e toda a História Nacional é local, porque se insere num todo mais vasto, mais global (as preocupações com a Higiene Pública são transnacionais). Isto permite-nos compreender e situar a acção do Dr. Paula Borba (e da comunidade setubalense) em relação à Higiene Pública nas preocupações mais gerais do Higienismo.
Termino referindo que o livro foi possível porque a família Borba preservou o núcleo documental do Dr. Paula Borba e o pôs ao serviço da História da cidade. Para lembrar às consciências públicas e à cidadania que destruir o que resta do passado não é progresso: é retrocesso. É atentar contra a memória colectiva e a identidade de Setúbal.

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