São sete horas e nove minutos da manhã na estação do Pragal. Está uma multidão na plataforma à espera do comboio, que já vem com atraso, para ir para o trabalho ou para a faculdade. Quando chega o dito comboio começam os empurrões, desesperados para conseguir apanhar o transporte de que dependem. Abrem-se as portas e as quatro carruagens estão de tal forma cheias que, por mais que tentemos, é impossível de entrar. Neste impasse, quem já estava atrasado já desistiu de chegar a horas. Durante a viagem, há quem passe mal, sufocados na lata de sardinhas bem apertadinhas. Ao final da tarde, o retorno é semelhante. E assim é o dia-a-dia de tantos passageiros dos comboios da Fertagus.
Em dezembro, a Fertagus alterou os seus horários, passando a haver comboios a cada 20 minutos, quando antes eram de 30 em 30 minutos, algo há muito exigido pelos utentes.
Estas alterações resultam da aprovação pelo Governo da prorrogação do contrato de concessão da Fertagus por mais 6 anos e 6 meses, até março de 2031. Este prolongamento serviu como alternativa ao pagamento da Reposição do Equilíbrio Financeiro, pedido pela empresa como compensação dos prejuízos durante a pandemia.
O prolongamento da concessão previa o aumento da oferta do horário de transporte ferroviário, mas não acautelou o material circulante necessário à operação, material este que é propriedade do Estado e é concessionado à empresa. Então, o aumento das frequências fez-se à custa da redução das carruagens em circulação, tendo-se reduzido para metade o número de carruagens por comboio. Os comboios que antes partiam de Coina agora partem de Setúbal, chegando a Almada, naturalmente, ainda mais cheios do que antes.
Escusado será dizer que comboios simples de quatro carruagens em plena hora de ponta são simplesmente insuficientes. O resultado é a lotação completa dos comboios, com cenários especialmente conturbados nas estações de Coina, Fogueteiro, Foros de Amora, Corroios e Pragal, onde não entra praticamente ninguém.
Apesar de não ter resultados negativos, a Fertagus pediu uma compensação de 6,76 milhões, tendo sido acordado um valor final de 5,5 milhões de euros. Enquanto a Fertagus é compensada, apesar de saldos financeiros razoáveis, a qualidade do serviço tem vindo a deteriorar-se.
Não tenho de explicar a importância da ferrovia e dos transportes públicos no desenvolvimento das nossas cidades, da coesão territorial e no combate às alterações climáticas. Desde que começou a operar o comboio em 1999, a Fertagus transportou 498 milhões de passageiros e estima ter retirado cerca de 80 milhões de automóveis da Ponte 25 de Abril.
O passe social foi uma conquista essencial, garantindo às populações transportes a preços acessíveis. Mas o aumento da procura pressionou o serviço da Fertagus, que até então era considerado tão excecionalmente bom. Afinal o serviço não era bom por ser privado, mas sim por ser proibitivamente caro.
Não é que as alternativas sejam muitas ou brilhantes: sabemos a situação em que estão os barcos da Transtejo/Soflusa ou os autocarros da Carris Metropolitana e tarda a tão prometida extensão do Metro. A situação da mobilidade em Setúbal está complicada para quem depende dos transportes.
O Bloco de Esquerda já fez a sua exposição ao Governo sobre o contrato de concessão, questionando sobre como serão colmatadas no imediato as necessidades prementes nos períodos de ponta. Sendo o Estado o proprietário dos comboios e carruagens, o que prevê o novo contrato quanto à sua utilização? Há 25 anos que a Fertagus tem o mesmo material circulante. Só o reforço das carruagens vai resolver este problema.
Passou mais de um mês e nada mudou: todas as manhãs a população do distrito de Setúbal continua a sofrer para apanhar o comboio. A Fertagus não está a cumprir o serviço público a que está obrigada e está a vedar a milhares de trabalhadores do direito à mobilidade. Estamos fartos de ver passar comboios… cheios.