É de Carl Jung, autor da psicologia analítica, o pensamento que não descobrimos na pessoa com transtorno mental nada de novo ou desconhecido: nela está a base da nossa própria natureza. Se perguntar ao leitor se é maior a probabilidade de uma pessoa com transtorno mental praticar um crime, a resposta é, provavelmente, afirmativa. Estudos, porém, demonstram que pessoas com patologia da saúde mental cometem menos delitos, não se encontrando relação direta entre a doença e a violência, como aliás vem sendo cimentado por especialistas da psiquiatria, da psicologia e da criminologia.
Sabemos que a prevalência das perturbações da saúde mental na Europa, e mais concretamente em Portugal, é preocupante. E não nos referimos apenas às doenças psiquiátricas, mas também a perturbações como a ansiedade ou a depressão, com elevada repercussão económica e laboral. Os tribunais são chamados a apreciar questões relacionadas com a problemática da doença mental: no direito civil, avaliando as capacidades do doente para dispor e gerir os seus bens, decidindo da aplicação do regime do maior acompanhado; no direito laboral aferindo da interferência da doença na prestação de trabalho, determinando, outras vezes, se o exercício funcional causou a doença; no domínio do direito penal, ponderando da aplicação da Lei da Saúde Mental, através do internamento compulsivo do doente que se recuse submeter ao necessário tratamento médico. Não só preocupações de defesa da segurança pública contra a possível agressividade do doente, como também a defesa do próprio contra o risco de autoagressão, orientaram o legislador. Há um propósito curativo que não se desprende da necessidade de eliminar a situação de perigo criada contra bens do próprio ou de terceiro.
Ouve-se, por vezes, que a justiça falha quando é confrontada com a necessidade de sancionar quem, ainda que com habilidade formada para cometer um crime, padeça de anomalia psíquica.
E, não menos invulgar, é outra falsa crença que a essa condição de saúde corresponde, frequentemente, o “prémio” da absolvição. Em direito penal, o princípio da culpabilidade assenta no pressuposto que não há responsabilidade sem culpa. Significa isto, que a prática de um ato reprovado pela ordem social por aquele que, no momento do seu cometimento não consiga ajuizar a sua ação e se determinar de acordo com a avaliação do correto ou incorreto, impõe ao Tribunal a formulação de um juízo de inimputabilidade, isto é, se aquela pessoa, naquele quadro particular, atuou sem culpa. No entanto, o juiz não forma a sua convicção a partir da observação pessoal do comportamento de um arguido, nem a aventa por parecença ou palpite. Esta assenta, com objetividade, em conclusões possibilitadas por uma perícia, onde se avaliaram patologias, características psíquicas, a personalidade e a sua perigosidade, o seu grau de socialização, possibilitando a antevisão sobre se, no futuro, idênticos factos criminosos se podem repetir, em evidente sinergia dos saberes científicos interdisciplinares. Formulado esse juízo, a condenação judicial que assente na imposição de uma medida de segurança, designadamente de internamento de um agressor em estabelecimento de saúde mental, seja o seu cumprimento em regime de ambulatório corresponde-se diretamente com o princípio da humanidade, também ele tributário do direito penal. Desfaçam-se, pois, as falsas crenças. Ao possibilitar a reabilitação e a reinserção no meio familiar e social do condenado, cumprem-se os objetivos de prevenir a prática de novos factos, serve-se a defesa da sociedade e da vítima em especial.21