A palavra “não” tende a ser vista como algo negativo e pejorativo, sobretudo quando somos nós a dizê-la a outra pessoa. E quando esse “outro” é um filho? A dificuldade aumenta, pois vemos o beicinho, o choro, e torna-se duro manter o “não”, já que parece que estaremos a magoá-lo/a.
Mas o que estarei eu a fazer se apagar o “não” do dicionário do meu filho?
Na clínica infantil observo muitas vezes esta situação: crianças que desconhecem a palavra “não” e pais com dificuldade em pronunciá-la. No entanto, a realidade — seja na escola ou com os pares — acabará por apresentá-la à criança. Para elas, o “não” pode ser sentido como rejeição ou crítica, como se estivessem a rejeitar a própria criança, e não apenas um ato ou pedido. Quando isto acontece, é comum surgirem dificuldades de tolerância à frustração, comportamentos impulsivos ou agressivos e até a construção de um Self inseguro no adulto em que essa criança se tornará.
E se eu vos disser que o “não” também pode ser visto como protetor e estruturante? Pensem comigo: se disserem “sim” ao vosso filho sempre que ele pede um carrinho no supermercado, talvez não pareça ter grandes consequências — afinal, é só um miminho. Mas se todas as vezes disserem “sim”, esse gesto de carinho transforma-se numa rotina. Agora imaginem que, por qualquer motivo, chega o dia em que não podem satisfazer o pedido. Acham que a criança irá aceitar com calma ou reagir exigindo, porque está habituada a ter sempre?
Neste exemplo, parece inofensivo que uma criança receba presentes, objetos ou satisfaça desejos sempre que quer. Afinal, é criança, que mal tem? O problema é que essa criança cresce e transforma-se num adulto com a mesma expectativa… E a vida adulta raramente concede os desejos de forma tão imediata. O resultado pode ser um adulto frustrado, insatisfeito e até triste.
É por isso que digo que o “não” pode ser protetor: porque ensina a criança a lidar com a frustração, a desenvolver paciência e perseverança para alcançar os objetivos — mesmo que seja apenas um carrinho novo. O “não” funciona como um alicerce na estrutura do Self da criança: mostra que existem limites e que o desejo não é absoluto. Esse limite protege-a dos riscos, dos excessos e da ilusão de omnipotência.
Dizer “não”, no fundo, é escolher focar-nos não no miminho imediato, mas no adulto confiante e seguro que gostaríamos que o nosso filho fosse no futuro — com amor e segurança.