No 29 de Setembro deste ano assinalou-se, pela primeira vez, o Dia Internacional da Consciencialização sobre Perdas e Desperdício Alimentar, uma data designada pela ONU para promover uma sensibilização adicional para esta problemática que apesar de ser tão global quanto premente parece longe de ter solução. Um terço dos alimentos produzidos para consumo humano são desperdiçados, numa estimativa de 1,3 mil milhões de toneladas de alimentos por ano. Números ainda mais chocantes se tivermos em consideração que existem mais de 800 milhões de pessoas a passar fome!
Em Portugal estima-se que 1 milhão de toneladas de alimentos são desperdiçados todos os anos – o que corresponde a 100 quilos por habitante – e que 17% dos alimentos para consumo humano produzidos em território nacional vão parar ao lixo.
Paralelamente, e em relação à fome no nosso país, antes da eclosão do surto do novo coronavírus o programa alimentar da União Europeia, através do Fundo de Auxílio Europeu às Pessoas Mais Carenciadas, prestava apoio a 60 mil pessoas em Portugal. Número que terá aumentado para 120 mil, segundo previsões avançadas pela Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. E no final de Julho, o Banco Alimentar Contra a Fome referia 60 mil novos pedidos de apoio nos três meses anteriores.
Se por um lado existem excedentes de comida, cujo destino é o lixo, e por outro pessoas que passam fome o que se encontra na base desta dicotomia? Há quem defenda que a resposta para acabar com a fome assenta num aumento da produtividade, de forma mais sustentável mas de que servirá se, segundo dados da ONU, quase 40% do consumo energético no sistema global alimentar é dedicado à produção de comida que é desperdiçada ou perdida? Não será assim tão linear, creio, porque esta matéria envolve muitas frentes.
Portanto, todas as iniciativas neste sentido são bem vindas, e felizmente já existem algumas. A título de exemplo, recordo o “Unidos Contra o Desperdício”, um movimento instituído recentemente, mas sem esquecer outros como a cooperativa “Fruta Feia”, criada em 2013; a DARIACORDAR – Associação para a Recuperação de Desperdício e o Refood – ambos nascidos em 2011; e ainda a implementação de mecanismos do Estado como a Comissão Nacional de Combate ao Desperdício Alimentar, criada em 2016. Em relação ao trabalho desta comissão, destaco uma métrica presente no seu 7.º relatório, publicado em Junho deste ano: no ano passado ter-se-ão identificado mais de 1.100 lojas com medidas para facilitar a circulação comercial de produtos alimentares próximo da data de validade, serão mais 36% do que o apurado em 2018, correspondendo a mais de 9 mil toneladas de produtos vendidos nessas circunstâncias em 2019. Números positivos mas ainda longe do desejável!
Por outro lado, importa também conhecer o contributo da tecnologia nesta matéria: actualmente existem aplicações que nos permitem aceder a excedentes de estabelecimentos alimentares, por preços mais acessíveis, como a To Good to Go, a Fair Meals ou a Phenix.
Mas neste bom combate, que nos desafia a todos, há sobretudo que ter vontade de assumir um papel activo e dar o nosso contributo, seja em nossas casas através de um consumo mais consciente, ou a nível da comunidade através da sensibilização e de um aproveitamento e distribuição mais eficientes.