Nos últimos tempos têm-se acentuado as críticas ao Serviço Nacional de Saúde (SNS). «É o caos»; «Uma desgraça» …Um dos meus vizinhos afirmou recentemente: «Até tenho medo de ficar doente!» Sim, o medo de adoecer é comum a muitos portugueses, devido a comentários, nem sempre justos, feitos na comunicação social. É preciso recordar que se debate a Lei de Bases da Saúde; é preciso não esquecer que, no passado recente-tempos da troika-, o orçamento para a saúde foi reduzido cerca de 15%; mais recentemente os cortes, embora menores, mantiveram-se através das cativações, o que, obviamente, tem prejudicado os cidadãos e os profissionais da saúde. Contudo, ao «caos»; à «desgraça», deve contrapor-se que qualquer português, rico, pobre ou remediado, a qualquer hora, em qualquer dia da semana, em qualquer região de Portugal onde se encontre, tem acesso a serviços de saúde. Ninguém no nosso país é expulso de um hospital por não poder pagar, ao contrário do que acontece em países chamados de muito desenvolvidos.
As poucas experiências que vivi nos últimos tempos com o SNS foram francamente positivas: em fins de semana, dirigi-me, por duas vezes, ao centro de saúde de Montemor-o-Novo, tendo sido imediatamente atendido; para fazer uma ecografia num hospital privado de Sacavém, esperei duas horas, o mesmo tem acontecido com consultas médicas. Perante o «caos», a «desgraça», tenho estado atento a situações de amigos que têm recorrido com assiduidade aos hospitais, não devido a gripes e constipações, mas por causa de doenças muito graves. Mando SMS para saber o estado de uma amiga, recebo a resposta: «Estou no IPO do Porto. Tem muito boas condições materiais e humanas; vê lá que até me tratam por princesa; como vivo em Lisboa e faço alguns exames no Porto, nem sempre consigo chegar a horas, pois sempre fiz os exames e nunca ouvi qualquer crítica; vamos ver se estes tratamentos que estou a fazer vão resultar; tenho esperanças, pois representam o mais moderno que há para este tipo de cancro.» Outra amiga tem acompanhado vários familiares a diferentes hospitais, ouço-a: «Acompanhei o meu irmão enquanto fez tratamentos no IPO de Lisboa: que grande profissionalismo; acompanhei o meu sogro e uma vizinha ao Hospital de S. José, e posso repetir: que grande profissionalismo. Pedi o livro de elogios; acompanhei a minha sogra numa urgência ao hospital de Setúbal, foi um pesadelo: falta de humanidade, de educação e até desinteresse. Claro que pedi o livro de reclamações. Na resposta que recebi, dizia-se que tinha sido «um fim de semana caótico.»
O SNS deve ter em vista, como qualquer outro serviço público, melhorar os serviços prestados, contudo o facto de, atualmente, se discutir a futura Lei de Bases da Saúde, pode não ser alheio a parte do chinfrim que se verifica na comunicação social, o que faz com que alguns portugueses temam adoecer. O que tem causado mais polémica? Na proposta da lei de bases de saúde prevê-se que a contratualização com privados fique condicionada «à avaliação da sua necessidade». «Questão ideológica» ou questão de bom senso? Parece que há quem defenda para a saúde algo semelhante ao que se passa na banca: que os serviços de saúde privados sejam públicos no que respeita a prejuízos e privados quanto aos lucros. Outro assunto que muitos Portugueses não entendem é «a greve cirúrgica» dos enfermeiros. Se outros profissionais seguissem o exemplo, como os polícias recusarem-se a prender ladrões; os juízes fazerem greve aos julgamentos…como reagiria o português comum? Sem discutir o direito à greve-indiscutível em regimes democráticos- não é fácil para o cidadão comum compreender que milhares de pessoas sejam privadas de intervenções cirúrgicas, pelas quais esperaram, por vezes, longo tempo. Claro que quem tem dinheiro vai ao privado; são os pobres que mais sofrem. Também é difícil compreender que alguns profissionais de saúde apenas façam valer o direito à greve nos serviços de saúde pública e nunca no privado, uma vez que, na generalidade, os horários são mais longos e os vencimentos inferiores precisamente no privado.
Defende Constantino Sakellarides, antigo presidente da Escola de Saúde Pública, que é urgente fazer uma reforma profunda no SNS, nomeadamente através de maior autonomia e da alteração do modelo de gestão. Veja-se que o modelo de governação da saúde continua como há décadas: ministro, secretários de estado, direções gerais, administrações regionais, hospitais, centros de saúde. Só através de maior autonomia, integração de serviços e nova forma de administração se poderá implementar «saúde de proximidade» indispensável ao bem-estar dos cidadãos.