Eanes e Marcelo

Eanes e Marcelo

Eanes e Marcelo

7 Novembro 2017, Terça-feira
Francisco Cantanhede

O atual presidente da República surpreendeu muitos portugueses com a sua magistratura dos afetos. As sondagens não devem andar longe dos 100% de aprovação. Diz-se que é o melhor presidente de sempre, que está com o povo nas horas más, que obriga o Governo a agir. Tudo isto faz vir à memória um antigo presidente chamado António Ramalho Eanes. Um Presidente que recusou assinar legislação que contemplava o aumento dos vencimentos dos deputados da Assembleia da República, por respeito para com o povo que sofria; um Presidente que recusou receber cerca de trezentos mil euros a que tinha direito devido a acumulação de reformas; um Presidente que, confrontado com um fogo, desceu do carro e ajudou a apagar as chamas.

Se Marcelo encontrasse um pedinte na rua confortá-lo-ia com um abraço; Eanes dinamizaria uma associação para distribuir comida e agasalhos aos sem abrigo. Um abraço é importante em certas ocasiões, mas não apaga incêndios; uma palmada nas costas é reconfortante, mas não dá comida a ninguém.

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Ramalho Eanes afirmou que «o 25 de Abril deu as liberdades, esqueceu-se de formar cidadãos.» Tem razão caro Presidente, tem razão caro cidadão, que tão bons exemplos de cidadania deu a um país que viveu cerca de cinquenta anos numa ditadura. A verdadeira cidadania passa por fazer e não apenas por dizer. Passa por agir de modo a motivar para a participação na vida democrática do país, por exemplo participar nos atos eleitorais (não trocar o voto pela presença num casamento, e vangloriar-se disso na comunicação social); agir de modo a sensibilizar a população que não pode fazer queimadas em tempo de incêndios, que não pode atirar lixo para as matas, que é profundamente imoral atear fogos, prejudicando toda a população, para que alguns obtenham benefícios. A cidadania é a solidariedade, a tolerância, o civismo, é a interiorização que todos têm direitos, que todos têm deveres, é ter noção do coletivo mesmo prejudicando o eu. Só agindo como cidadão, o indivíduo se tornará cidadão. Tudo se aprende, desde que se pratique. A escola deveria ser um espaço privilegiado para que cada criança, cada jovem, fosse aprendendo a cidadania. Há alguns anos um ministro da educação decidiu menosprezar a área curricular não disciplinar de Educação para a Cidadania. Ainda não vi qualquer jornalista, qualquer comentador, qualquer cidadão, responsabilizar também esse antigo ministro pelos incêndios que mataram cerca de 100 pessoas.

Há presidentes com ação reativa, houve presidente com ação proativo, há presidentes que preferem dizer, houve presidente que optou por fazer, por dar exemplos. Talvez por isso, e por muito   mais, Ramalho Eanes seja considerado pela generalidade da população, a reserva moral da democracia portuguesa.

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