Com a entrada no Parlamento do novo partido de extrema-direita Chega, logo surgiram vários analistas que pretendiam responder a uma simples pergunta: de onde vieram os seus votos? Como o Chega, em 2019, obteve uma boa votação no Alentejo, alguns comentadores anunciaram que o Chega tinha tirado os votos à CDU, uma vez que aquela coligação tinha uma boa votação naquela região. Mas foi realmente o que aconteceu?
Recentemente, já este ano, nas eleições regionais nos Açores, os tais comentadores ficaram algo que baralhados com o bom resultado do Chega e a eleição de dois deputados. Mas afinal onde está a verdade? De onde vêm os seus votos? A verdade apenas pode ser apurada com análise estatística e o mais perto possível das bases eleitorais que, em geral, são as freguesias.
Nas eleições gerais de 2019, o Chega teve a sua maior votação, em percentagem, na freguesia do Alvito, no concelho com o mesmo nome, no distrito de Beja, onde obteve quase 6% dos votos. Como é uma freguesia com poucos eleitores, em 2019 havia apenas 942 inscritos, sendo mais fácil comparar os resultados. Primeiro houve a necessidade de acertar as votações de 2015 com as de 2019, para uma base comum, pois em 2019 registaram-se menos 83 votantes. Depois, foi necessário comparar as diferenças de votos que podem ser positivas e negativas. No nosso caso verificou-se que aumentaram a sua votação o Chega e alguns pequenos partidos, com destaque para o PAN. Perderam votos essencialmente o PS e o PSD, num conjunto de 57 votos que mudaram de destino. Desses votos o Chega obteve 30 votos, os quais vieram 76% do PSD, 14% do PS, 8% do BE e apenas 2% da CDU. Assim, pelo menos nesta freguesia do Alentejo, os fornecedores de votos para o Chega foram essencialmente o PS e o PSD.
No caso das eleições nos Açores aconteceu uma infeliz intervenção do presidente do Chega, no Parlamento, que afirmou que o seu partido tinha tirado um deputado à CDU e nas eleições seguintes seria a vez do BE perder os seus deputados. Vamos ver, na realidade, o que sucedeu nos Açores.
Aqui também tivemos de fazer a normalização dos votos pois, se em 2016 votaram 93 189 pessoas, em 2020 já se registaram 104 009 votantes. Um aumento de 12%. O Chega teve a maior votação, em percentagem, na ilha de São Jorge com 9% dos votos. Nessa ilha, a CDU obteve apenas 2,6% dos votos em 2202 e 3% em 2016. Além disso, o deputado da CDU em 2016 foi eleito pela ilha das Flores onde em 2020 o Chega nem sequer concorreu. Assim é fácil deduzir que os eventuais votos perdidos pela CDU para o Chega nada contribuíram para perda do seu único deputado nos Açores.
Quanto ao Bloco de Esquerda, aumentou a sua votação assim como os deputados eleitos de um para dois. Também neste partido o Chega certamente pouco ou nada lucrou.
Passamos agora analisar os restantes partidos. O PS perdeu, proporcionalmente, cerca de 7 500 votos, o CDS 1 700 e CDU 970 votos. Em compensação, o PSD ganhou cerca de 3 000 votos, o PPM 2 000 e o Chega 5 260 votos. Logo se descortina que os grandes perdedores para o Chega, aparentemente, foram essencialmente o PS e o CDS.
A seguir calculámos os chamados coeficientes de correlação, que indicam a maneira como duas grandezas crescem ou descem em paralelo. O seu valor vai de +1 a -1 passando pelo 0. O valor +1 é quando há uma correspondência completa no crescimento das duas grandezas. O valor 0 indica que não há nenhuma correspondência enquanto o valor -1 significa quando uma grandeza sobe a outra diminui proporcionalmente. No nosso caso interessam, em especial, os valores negativos que indicam quando um partido aumenta os seus votos e o outro baixa-os em proporção.
Não vamos maçar o leitor com minudências matemáticas e passamos já para os resultados. O PS perdeu votos essencialmente para o Chega, depois para o PSD e ainda para o PPM. O PSD perdeu votos para o Chega, depois para o PAN e ainda para o PPM. O CDS perdeu votos para o PPM e depois para o Chega. Finalmente a CDU perdeu votos para o PPM essencialmente e depois alguns para o Chega. Curiosamente temos o mesmo resultado que surgiu, em 2019, na modesta freguesia do Alvito pois em geral o Chega subiu, nas duas situações, à custa principalmente dos votantes anteriores no PS e no PSD.
Afinal ambos são partidos do centro e com eleitores muito semelhantes na composição social, a chamada classe média. Esta classe está cada vez menos média, mais proletarizada, sendo até, por alguns estudiosos, classificada como “os novos pobres”. Sendo assim é atraída e até permeável às ideias radicais da extrema direita.