Da autodeterminação sexual na era digital

Da autodeterminação sexual na era digital

Da autodeterminação sexual na era digital

18 Fevereiro 2021, Quinta-feira
Cristina Rodrigues - Deputada não inscrita

No domingo passado celebrou-se mais um Dia de S. Valentim, dia que assinala o amor romântico e os namorados.

 

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Embora a história que lhe dá origem remonte ao século III, a tradição na sua forma moderna ter-se-á iniciado em meados do século XIX, nos Estados Unidos da América. Nesse ínterim, a sociedade alterou-se vertiginosamente e, como não poderia deixar de ser, também a forma como se vive as relações românticas é substancialmente diferente. E a diferença acentua-se quando vivemos num cenário de confinamento, no qual as novas tecnologias ganham cada vez mais relevância e tornam-se um canal por excelência para construir e manter estas relações.

Relações onde passou a existir a possibilidade de marcar presença junto do outro através do envio de fotografias ou vídeos de cariz sexual. Relações nas quais existe, cada vez mais, a consciência de que a sexualidade de cada um é pessoal e intransmissível e diz respeito apenas a nós mesmos; pautadas pela confiança de que todo o conteúdo privado ainda que partilhado com o parceiro permanecerá assim… ou talvez não…

Um estudo de 2016 publicado pelo Data and Society Research Institute and the Center for Innovative Public Health Research, concluiu que 4% dos americanos e 6% das mulheres, entre 15 e 29 anos, já foram vítimas de nonconsensual pornography, a recolha ou difusão, sem consentimento da pessoa retratada, de imagens de nudez ou actos de carácter sexual. Já na Austrália, um outro estudo revelou que 23% das pessoas, entre os 16 e 45 anos, consideraram-se vítimas desta prática. Embora em Portugal não haja ainda dados desta realidade, muito recentemente, foi notícia o aumento do fenómeno devido ao confinamento, com o surgimento de grupos no Telegram, um serviço de mensagens instantâneas, onde havia partilhas ilícitas de conteúdos íntimos inicialmente publicados em plataformas de acesso limitado.

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Este é pois um problema real que afecta um número crescente de pessoas, colocando em causa a sua dignidade, a sua liberdade e autodeterminação sexual. E falamos sobretudo de mulheres; também este tema acaba por ser mais uma manifestação da desigualdade de género que teima em subsistir na nossa sociedade onde ainda imperam discursos típicos de um machismo sistémico e ainda se cultiva, muitas vezes quase inconscientemente, a violência contra as mulheres.

É justo que ao escolherem, legitimamente, viver a sua sexualidade desta forma, se encontrem constantemente na contingência de verem a sua vida íntima exposta ao mundo, sem qualquer tipo de defesa nem a possibilidade de travar aquilo que é uma verdadeira violação da sua liberdade e intimidade, com danos graves e irreparáveis?  Existem diversos estudos que demonstram as consequências para as vítimas, ao nível da saúde mental – depressão, ansiedade, stress pós-traumático e mesmo o suicídio -; relacionadas com situações de ameaças, ofensas à integridade física e assédio online e offline; e ainda em cenário laboral, onde podem ocorrer episódios de humilhação, despedimento e constrangimentos em contratações futuras.

A raíz do problema não se encontra nas imagens tiradas e partilhadas com consentimento do próprio; a isso chama-se liberdade de escolha, autodeterminação sexual. A origem do problema é a partilha fácil – basta carregar num botão – que, além de manifestar um total desrespeito em relação à importância do consentimento alheio, é feita sem sequer pensar nas consequências dessa acção ou, pior, com o objectivo de prejudicar o Outro; a isso chama-se, no mínimo, falta de consideração e empatia.

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