Somos um dos país mais centralizadores da União Europeia. Em 2023, enquanto que nos países da zona euro o peso dos governos locais na receita total do Estado foi de 16,9%, em Portugal situou-se em 11,8%. Também a despesa dos governos de nível subnacional é baixa relativamente à despesa pública total.
É óbvio que passados 50 anos de abril de 1974, a maturidade do processo democrático implica alterações do modelo de funcionamento do Estado e a lei quadro de transferência de competências para as autarquias locais, de 2018, veio dar um passo importante ao afrontar as resistências aos processos de mudança. Assumiu-se uma vontade política reformadora, com base na valorização do poder local democrático. Há neste processo um reconhecimento da sua capacitação. Há uma prova de confiança.
A transferência de competências nos municípios tem absorvido a nossa atenção, as freguesias também merecem que lhes dediquemos reflexão. É o que me proponho fazer.
De facto, a organização administrativa do território em Portugal compreende as freguesias. Se aceitamos, e queremos, que assim seja temos de entender que, em pleno século XXI, é imprescindível dar-lhes poder de execução com a atribuição de competências. Já lá vai o tempo da mera passagem de atestados. A lei fez isso, elencou aquelas que são as novas competências das freguesias, saídas dos municípios. Mas, o processo não é automático, a sua concretização fica dependente de dois aspetos fundamentais. Um primeiro, porque os órgãos dos municípios podem decidir que, no todo ou em parte, as competências definidas na lei são estruturantes na atividade municipal e portanto não passam para as freguesias; o segundo, e não se colocando a questão antes referida, a transferência só ocorre quando há acordo entre as partes quanto aos recursos afetos, a constar do auto de transferência.
Neste momento em que o processo de transferência de competências já devia estar concluído, o estado da arte aponta para que das 2882 freguesias do continente, 1752 assumiram novas competências, não estando cobertas 1130. No distrito de Setúbal, das 55 freguesias, 26 ainda não assumiram novas responsabilidades.
Apesar de tudo entendo que, face à heterogeneidade do território mas também, sejamos verdadeiros, ao espírito centralizador que ainda paira, penso que já foram dados passos muito substantivos. Importa, agora, identificar as razões pelas quais a transferência de competências ainda não ocorreu em 114 municípios, mas também, onde já aconteceu, se os resultados são satisfatórios ou nem por isso.
É um apuramento a concretizar rapidamente até porque precisamos saber se há retificações a fazer. É normal que assim seja em processos novos e inovadores. Pretendo, no exercício das minhas funções, contribuir para este apuramento. Aliás, as freguesias têm direito a que lhes dediquemos mais tempo.