10 Agosto 2024, Sábado

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Autoeuropa: entre tantas coisas boas da maior empresa da região algumas poderiam ser melhores

Autoeuropa: entre tantas coisas boas da maior empresa da região algumas poderiam ser melhores

Autoeuropa: entre tantas coisas boas da maior empresa da região algumas poderiam ser melhores

26 Novembro 2020, Quinta-feira
Francisco Alves Rito

Apesar da enorme importância para o país e região, há alguns aspectos sobre a VW Autoeuropa que as pessoas desconhecem e que abonam menos o valor da empresa. O mais evidente desses aspectos menos bons é o resultado líquido da fábrica.

Com um volume de negócios de 3,7 mil milhões de euros, a empresa declarou um resultado líquido, em 2019, de 46 milhões de euros. Um lucro pequeníssimo atendendo às dimensões da empresa e do volume de negócios. Basta comparar com outras do Top 10 do ranking para percebemos isso. Veja-se, por exemplo, a The Navigator Company que, com um volume de negócios de 2,4 mil milhões, lucrou 168 milhões no ano passado. Ou seja, mesmo em ano mau, a Navigator, com pouco mais de metade das vendas da Autoeuropa, obteve cinco vezes mais lucro. Essa diferença é ainda maior em 2018, em que a Autoeuropa teve resultados líquidos de 44 milhões e a Navigator de 228 milhões.

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Onde está a grande diferença? É que uma empresa é nacional, e as margens do negócio ficam em Portugal, e a outra é alemã e as margens vão para a Alemanha. E não se trata apenas deste ano. Tem sido sempre assim. A política da Volkswagen, dona da Autoeuropa, é assim para a fábrica de Palmela e para as outras fora da Alemanha. As margens do negócio são esmagadas por royalties (de marcas, patentes, etc) pagos na Alemanha e calculados de forma a, nas subsidiárias, apenas equilibrarem o negócio, com ligeiro resultado positivo. Na fábrica da Polónia, onde são feitos os motores para os carros montados em Palmela, é a mesma coisa, a margem que lá fica é igualmente diminuta.

Desta forma a VW Autoeuropa acaba por acrescentar menos valor para Portugal do que poderia, designadamente através da redução de impostos que paga cá, tanto ao Tesouro nacional (IRC) como ao município (derrama). É certo que a fábrica é de enorme importância para o país, pelo incremento económico e nas exportações, e para a região, sobretudo pelo emprego, mas tem capacidade para bem mais.

A poupança em custos de mão-de-obra e compensações de localização, por via de subsídios comunitários e apoios nacionais (por exemplo, em Maio de 2014, em que o Estado português, através da AICEP, comparticipou o plano de investimento de 677 milhões com pelo menos 36 milhões, aliás muito bem aplicados, porque a empresa triplicou o objectivo de criar 500 postos de trabalho), permitiria margens para resultados líquidos bem mais robustos, preservando igualmente a devida remuneração da casa-mãe alemã e dos seus accionistas.

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A gestão de empresas focada exclusivamente na prioridade absoluta da remuneração accionista é típica de uma cultura designada de “shareholder company” que hoje se encontra em franca regressão. As principais empresas mundiais, designadamente as europeias, estão a enveredar aceleradamente por um modelo de “stakeholder company”, nas quais as expectativas e interesses das várias partes interessadas são tidas em conta com maior equidade: o accionista é um relevante stakeholder porque é nele que reside a função financeira principal, mas, a par, estão os clientes, os fornecedores, os colaboradores, as autoridades públicas e as comunidades que podem e devem integrar o processo de distribuição da riqueza gerada. Além do emprego, a VW Autoeuropa tem dimensão para ser a principal empresa cidadã do País.

No entanto, a atenção recente da VW Autoeuropa para com a região também não abona nada a favor da empresa. Desde que substituiu António Melo Pires, o actual director-geral da fábrica de Palmela parece fazer gala em cortar todas as ligações à comunidade que o seu antecessor vinha a construir.

Com Melo Pires, a empresa apoiava entidades e eventos locais, com Miguel Sanches deixou de apoiar. Isto apesar de haver ainda quem tenha a ilusão de que a Autoeuropa apoia alguma coisa local ou regional. Recentemente a direcção do Vitória FC, que luta pela sobrevivência, comunicava que estava a tentar obter o apoio da Autoeuropa.

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Até com a Associação Industrial da Península de Setúbal (AISET), criada por Melo Pires (em 2014), o director-geral actual acabou também por cortar, apesar das quotas serem quase simbólicas e da importância da associação na defesa dos interesses da indústria da região, em que pontifica a fábrica de Palmela.

E não se trata de opções decorrentes da conjuntura económica, porque no tempo de Melo Pires a demonstração de preocupação da empresa para com a comunidade não esmoreceu nos piores momentos. Em Março de 2013, quando a produção da fábrica atingia mínimos e bem mais de uma centena de trabalhadores ficou sem trabalho, a administração celebrou um acordo com a Comissão de Trabalhadores em que assumiu o compromisso de não fazer despedimentos colectivos até 2015. Em reconhecimento da sensibilidade do então presidente do conselho de gerência, Melo Pires foi agraciado pelo Presidente da República (a 10 de Junho de 2014) e, antes disso, em Junho de 2013, recebeu a Medalha de Mérito Municipal do Município de Palmela. Também em 2013, em finais de Outubro, foi a vez de Carmo Jardim, então directora de Relações Governamentais e Institucionais da Autoeuropa, ser distinguida como Profissional do Ano pelo Rotary Club de Palmela. Demonstrações da gratidão que as entidades públicas e privadas dedicavam à empresa pela atenção que esta dispensava à comunidade local.

Claro que a Autoeuropa terá motivos para acreditar que não precisa desta envolvência regional, porque o Presidente da República e o primeiro-ministro correm para cá sempre que a empresa estala os dedos, mas essa apreciação não é, certamente, correcta, por simplista, e revela insensibilidade corporativa e social. Porque não está em causa somente o interesse desta empresa, mas de toda a região que se vê discriminada no acesso aos fundos comunitários. Esta discriminação tem um custo de milhões em euros e de milhares em empregos, somando-se o impacto que tem nas grandes e nas médias e pequenas empresas da península de Setúbal.

Sabemos que cada empresa, desde que crie emprego (e a Autoeuropa representa mais de 5.600 postos de trabalho, contando só os directos) e pague impostos, presta serviço público, mas a fábrica de Palmela poderia fazer bem mais pela região, se emprestasse a sua força a esta causa que, além de justa, é do maior interesse colectivo.
É caso para dizer que, por muito pouco, aquilo que a VW Autoeuropa nos dá poderia passar de bom a óptimo.

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