Caro leitor, aproximam-se as próximas eleições autárquicas, que terão lugar, provavelmente, em Setembro ou Outubro.
Ao fim de 45 anos de democracia autárquica e de 13 eleições (a 1.ª em 1976 e a 13.ª em 2021), devia haver maturidade política ― dos candidatos e dos munícipes ― para que os primeiros falem do que interessa à vida no dia-a-dia dos munícipes e estes exijam (através das várias formas de participação no processo eleitoral) que a prestação de contas e as novas propostas para a gestão autárquica dominem a discussão na campanha eleitoral.
Que esta não se fique pelos slogans políticos, acantonamentos nos redutos ideológicos, em culpar os Governos pelo que não se fez (por falta de transferências financeiras, sempre insuficientes, ou de obras que ao poder central compete fazer nos concelhos), por discussões estéreis, muito menos por insultos, truques baixos ou promessas demagógicas de última hora.
Muito menos que as próximas eleições autárquicas (que ocorrem, normalmente, a meio dos mandatos dos Governos) se transformem em primárias da eleição legislativa seguinte, quer para fragilizar o Governo do momento (se o partido que o sustenta perder muitas câmaras), quer para que o Governo legitime a sua acção governativa (se mantiver ou reforçar o número de câmaras que tem; e também de juntas de freguesia, embora estas tenham menor impacto comunicacional).
Porque se trata, no Continente, de 278 eleições para as câmaras e 2882 para as freguesias, em simultâneo, mas cada uma vale por si e depende muito mais do microcosmos que é cada concelho e freguesia (dos seus problemas; dos eleitores; dos autarcas e outros candidatos; do historial da gestão, do último mandato e dos anteriores; do estado da realização das promessas e do nível de satisfação das populações), do que depende do Governo do momento.
Desejar isto talvez seja desejar o impossível, dado o nosso historial nesta matéria desde 1976, mas é a salubridade, a solidez e o futuro da Democracia que o exigem. A mistura entre os temas locais e os temas nacionais, a conversa para entreter munícipes distraídos ou alheados do que lhes diz respeito no âmbito político-administrativo mais próximo de si (as autarquias, onde têm alguma capacidade de intervenção), as promessas demagógicas ou o baixo nível da campanha eleitoral são um péssimo serviço à Democracia local (e à geral, também).
As dúvidas de que este desejo aconteça prende-se com a minha experiência como munícipe que procura intervir civicamente, pois o que constato é, por um lado, o incómodo dos autarcas no poder quando alguém lhes aponta o que falta fazer, por demais evidente e urgente que seja, e o desconhecimento das necessidades sentidas por cada comunidade do concelho. E constato ainda maior desconhecimento por parte dos candidatos das oposições (pelo menos da maioria deles) e pouco interesse em descerem ao terreno, falarem com os munícipes e indagarem o porquê de situações verdadeiramente incríveis (muitas delas têm sido alvo dos meus alertas).
Dia 13/2 li num jornal nacional uma curiosa notícia sobre um conhecido autarca de um dos concelhos no país com maior nível económico e académico dos seus munícipes. Prepara-se para ser eleito para o nono mandato (o 1.º foi em 1985), apesar de, em 2009, ter sido condenado e preso por ilícitos financeiros e perdido o mandato, e desde 2005 ter concorrido como independente. Portanto, não é eleito por munícipes carenciados, pouco escolarizados e abandonados no interior do país, eventualmente, mais vulneráveis à manipulação eleitoral. Mas o elevado nível de realizações nesse concelho e a qualidade de vida que daí resulta faz dar gosto lá viver (eu conheço-o bem). Postas nos pratos da balança a falta de honradez e a eficácia na satisfação das necessidades dos munícipes, estes têm optado pela segunda (apesar da primeira).
Os autarcas (e os candidatos) da minha câmara e da nossa região deviam tirar deste caso a lição da importância da satisfação das necessidades dos munícipes (e a qualidade de vida que dela resulta), e de como isso é determinante para a escolha eleitoral.