Caro leitor, o tema surgiu- -me de declarações de Dag Detter num jornal, que tiveram o silêncio dos actores políticos e comentadores, entretidos, ultimamente, a debater a (falsa) folga orçamental: se aumentar (levianamente) a dívida ou acautelar o futuro imediato. Sendo o tema tão importante e oportuno, porquê o silêncio? Compreende-se à luz da discussão de apenas o que está na agenda mediática, com argumentos pueris que só servem a absurda luta político-partidária e cansam quem a segue.
Detter é consultor de investimentos em ativos públicos comerciais e autor de livros sobre o tema. Em 2015, com Stefan Fölster, publicou A riqueza pública das nações: como a gestão de ativos públicos pode impulsionar ou impedir o crescimento económico, onde analisam o potencial da riqueza pública dos países, como pô-la ao serviço da economia e das pessoas, e afirmam que a sua melhor gestão melhorava o nível de vida global e a saúde das instituições democráticas. Foi um dos «Livros do Ano» de The Economist e dos «Melhores Livros do Ano» do Financial Times.
Em Portugal, Detter estima que uma boa gestão do património público desaproveitado (terrenos, prédios, infraestruturas, equipamentos, etc., que nem os donos ─ Estado e Câmaras ─ às vezes sabem que têm) pode gerar mais de 6 mil milhões de euros por ano: evitava-se subir impostos, cortar nos serviços públicos, pagava-se os juros da dívida pública e o défice não derrapava. E ainda se podia duplicar o investimento público ou reforçar o orçamento da saúde. Existe, pois, uma alternativa para financiar as necessidades de investimento público (na rede ferro e rodoviária, em escolas, hospitais, ciência, recursos humanos, etc.): é rentabilizar a riqueza pública desaproveitada.
E Detter não propõe novas parcerias público-privadas (ppp) nem privatizar o património desaproveitado, mas criar uma entidade profissional para o gerir. O que espanta e desgosta os crentes na salvação milagrosa das ppp (das rendas garantidas) e das privatizações (a preços de saldo para amigos) e os que chamam neoliberal àqueles de que não gostam. Ambos ignoram que há mais vida além da estéril dicotomia público/privado, que alimenta o debate político tonto, pueril e absurdo.
As propostas de Dag Detter não são delírios académicos, vêm da vasta experiência a gerir e valorizar activos públicos comerciais para os Governos suecos. Actualmente, trabalha para vários Estados (em fundos de riqueza nacional) e cidades (em fundos de riqueza urbana) na Ásia, Europa e América, para aproveitarem a «mina de ouro» que está «enterrada» bem à vista: e que é uma alternativa à austeridade e ao endividamento público. E refere os exemplos de sucesso da Temasek (Singapura) e de várias cidades suecas, assim como de Londres, Hamburgo e Copenhaga (que, através de soluções semelhantes, promovem o seu desenvolvimento).
Em 2017, Detter e Fölster publicaram A riqueza pública das cidades: Como desbloquear ativos ocultos para aumentar o crescimento e a prosperidade, onde afirmam que a vitalidade económica e as finanças estáveis das cidades se poderiam obter a partir da sua riqueza pública, focando-se nos investimentos de longo prazo em vez dos recursos e gastos de curto prazo.
Para Lisboa, Detter prevê 1,6 mil milhões de euros de receita anual. Noutros concelhos do país os valores serão muito mais modestos, mas em todos há riqueza municipal abandonada: terrenos, prédios, antigas escolas primárias, equipamentos, etc.
Caro leitor, sim, as Câmaras podem baixar taxas e impostos municipais e, ainda assim, obter maiores receitas. Mas é preciso saber económico-financeiro, boa gestão, imaginação e horizontes mais largos (mas como? se hoje qualquer amanuense é vereador?) E olhar além das habituais receitas e despesas, deixando de aumentar, automaticamente, impostos e taxas logo que a conjuntura económica se agrava: fazendo o que criticam aos «maléficos» Governos (a quem pedem ajuda quando deixam falir as Câmaras). E não falo das opções erradas, do desperdício, da ineficiência funcional, dos gastos discutíveis, etc.