Caro leitor, nunca escrevi sobre política nacional ou internacional, não tenho competência nem interesse em ser analista político. Escolhi o âmbito local, não por aspirar a uma carreira política autárquica, mas como intervenção cívica, porque sempre achei que esta está em estado de anemia crónica. E porque me incomoda a crítica permanente e estéril, quando é escassa a participação cívica. Basta ter vivido num prédio para verificar que, no dia da reunião do condomínio, a muitos condóminos falecia, anos a fio, um avô, ou ter frequentado as assembleias municipais e de freguesia: são áridos desertos de participação cívica. Por razões pessoais, escrevo agora esporadicamente.
Recorri às razões da vitória de Trump apenas para mostrar as justas razões de queixa dos eleitores, que se sentiram abandonados, há décadas, pela chamada classe política, enredada em discussões estéreis de temas das guerras culturais, enquanto ignorava o que lhes falta de essencial para uma vida digna: rendimentos e condições de vida (habitação, saúde, mobilidade, qualidade do espaço público, etc.) No rescaldo das recentes eleições, Bernie Sanders confirma-o: «enquanto os muitos ricos vivem fenomenalmente (…) os salários ajustados à inflação do trabalhador médio norte-americano são hoje mais baixos do que há 50 anos». O desprezo pelas necessidades das pessoas é o terreno fértil para os populistas, demagogos e mentirosos apregoarem soluções fáceis, e em 24 horas, para problemas difíceis.
Esclarecida a referência à vitória de Trump, passo às autárquicas de 2025 em Palmela. Só os distraídos não vêem obras por fazer desde 2021 (outras já com barbas brancas) começarem a germinar (talvez devido às chuvas recentes) e anúncios de outras que nunca se realizarão.
Algumas dessas obras têm custos insignificantes, mas são necessárias diariamente aos munícipes. A lista não exaustiva (é apenas da zona onde vivo ou por onde ando habitualmente) confirma-o:
− Acabar o cais da Estação do Pinhal Novo, para duplicar a oferta de comboios para Lisboa (e para os autarcas se redimirem da sua desastrosa obstrução à conclusão da obra em 2004, que foi paga pela REFER: por nós!); − Acabar três quartos dos passeios entre Aires e a Estação Ferroviária (total 1050 metros), por concluir desde 2004; − Ligar a Av. J. Lino dos Reis (desde a Rua de Aljubarrota) à EN379, ao bairro Casas da Quinta e ao Colégio St. Peter’s School (extensão de 200 metros); − Ligar a Av. J. Lino dos Reis à EN252, com uma rotunda junto ao MacDonald’s para o bairro Padre Nabeto: descongestiona a saturada EN252 em Aires (velha) e melhora a mobilidade de toda a zona, hoje com 6000 residentes; − Ligar o bairro Casas da Quinta e o Colégio St. Peter’s School à EN379 (a Sul) e à EN252 (a Norte), 50 metros cada troço de estrada; − Reparar a EM534 e a Estrada do Vale de Mulatas (ligam a Pontes e a Setúbal nascente), o piso é miserável desde a Estação Ferroviária ao viaduto na A12, as bermas são um perigo, há raízes de pinheiro e arbustos a entrar estrada dentro; − Acabar, antes que os fundos europeus atribuídos caduquem, o Ciclop7, a ciclovia de Setúbal ao Montijo. As duas câmaras parceiras fizeram a sua parte, Palmela, mais uma vez, falhou; − Renovar a Av. 25 de Abril (junto à Estação Rodoviária de Palmela), prometida desde 2015; − Pavimentar o piso do estacionamento na Rua Agostinho Pereira (Aires), já só tem gravilha; − Tornar útil o «berloque» da ciclovia em Aires, interligando o bairro Padre Nabeto aos bairros de Aires, à Volta da Pedra e Estação Ferroviária.
Os autarcas de Palmela, que não vão ao terreno ver as necessidades dos munícipes (senão esta lista não existia), devem, no conforto dos gabinetes, analisar os resultados eleitorais. Autárquicas de 2021: 56.024 inscritos, 7517 votantes na primeira força política (o que a obrigou à mixórdia política que governa Palmela) e 33.167 abstenções, votos brancos e nulos. Legislativas de 2024: nas quatro freguesias, em especial naquela onde sempre foram hegemónicos e onde os populistas, demagogos e mentirosos ficaram em primeiro lugar, com mais 195 votos do que a soma dos votos das duas maiores forças políticas. Outras surpresas maiores surgirão, se insistirem em dar-nos festivais de música em vez do essencial, achando que «com papas e bolos se enganam os tolos».