Arrábida Reserva da Biosfera, assim? Não, obrigado

Arrábida Reserva da Biosfera, assim? Não, obrigado

Arrábida Reserva da Biosfera, assim? Não, obrigado

19 Agosto 2024, Segunda-feira

O Parque Natural da Arrábida (PNA), com a sua relevância geológica e paisagista, flora e fauna ímpar, além de testemunhos materiais de ordem cultural e histórica é, provavelmente, a jóia da coroa dos parques naturais em Portugal. A implementação de um parque natural que atravessa 3 municípios densamente povoados (Setúbal, Palmela e Sesimbra) com terrenos maioritariamente privados e com uma indústria intensiva de extracção de inertes (pedreiras e cimenteira) dentro dos seus limites, foram desde sempre grandes obstáculos ao seu sucesso. Apesar destes desafios, o PNA foi gerindo, desde a sua fundação em 1976, o propósito de conservação da natureza sempre com enormes pressões, sobretudo da construção ilegal (basta lembrar o que era o Portinho da Arrábida nos anos 80 antes da intervenção do Eng.º Carlos Pimenta), mas também da actividade das pedreiras, turismo, etc.

Para tentar ultrapassar estas enormes dificuldades, em 2005, após uma acesa discussão pública acompanhada de grande contestação, foi aprovado na Assembleia da República o Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida (POPNA) com o aval dos 3 municípios da região, do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) e da Agência Portuguesa do Ambiente. Contudo, o POPNA foi desde sempre desadequado face à realidade, e pouco efeito que teve nos seus propósitos, pelo que urge ser revisto para finalmente ordenar e recuperar sustentavelmente o Parque, os seus recursos e actividades nele realizadas. Apesar disto, sem pouco ou nada acautelar, as câmaras municipais de Setúbal, Palmela e Sesimbra, através da Associação de Municípios da Região de Setúbal (AMRS) com apoio do ICNF, submeteram em 2014 uma candidatura da Arrábida a Património da Humanidade que viria a ser chumbada pela UNESCO, entre outros motivos, devido “à difícil articulação entre as entidades que gerem o Parque e as várias pressões da construção, turismo, e existência de pedreiras dentro do mesmo”.

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Como acontece frequentemente em Portugal, foi necessário um grupo de técnicos estrangeiros apontar aquilo que há anos era evidente, mas ninguém queria ver. Mesmo com o puxão de orelhas, 10 anos depois tudo continua igual ou pior, não se aprendeu, não se evoluiu. O PNA atingiu um marasmo há muito não visto, em parte, culpa da inércia das inúmeras entidades que o gerem sem capacidade, conhecimento ou recursos para solucionar os problemas e desafios da sua gestão, desde a simples recolha de lixo, ao anárquico acesso de trânsito às praias e não só, à falta de limpeza florestal das matas como o Solitário que se tornaram verdadeiros barris de pólvora, até ao complexo caso da estrada de Galapos encerrada há 2 anos.

Perante este cenário, para grande espanto, foi anunciado em Julho deste ano que as mesmas entidades, com o apoio do Governo, voltaram a tentar uma candidatura à UNESCO, desta feita a Reserva Mundial da Biosfera. Pretendem “ganhar um mecanismo para a conservação e valorização dos recursos naturais e dos ecossistemas da Arrábida, o desenvolvimento da economia local e a criação de um “laboratório vivo” para o desenvolvimento sustentável do território.”  Esta candidatura, segundo os proponentes, “tenta contornar as questões que levaram ao chumbo da anterior candidatura a Património da Humanidade, entre outras, a actividade económica e humana existente no território, mas que poderá ser mais uma valia nesta”.  Uma rápida consulta ao dossier de candidatura revela falhas graves, além de não apontar a correcção dos problemas que levaram ao chumbo da anterior candidatura.  Por exemplo, não estão claros os mecanismos para acabar com a laboração das pedreiras em Sesimbra e, mais importante, a recuperação das colossais áreas esventradas que já desfiguraram, para sempre, a paisagem, como é o caso da cratera da serra do Risco, ou das falésias escavadas por cima da praia de Ribeira de Cavalos.  A candidatura não apresenta um caderno de encargos com atribuições a entidades específicas, fontes de financiamento concretas ou calendarizações, opta por remeter estes assuntos para as Câmaras e seus planos.  Isto é preocupante, se pouco ou nada foi feito nos últimos 10 anos, será agora, se conseguirem o galardão, que as Câmaras vão investir?  No caso das pedreiras em Sesimbra e cimenteira em Setúbal, com a construção de um novo aeroporto, TGV e ponte na região de Lisboa, alguém acredita que vão deixar de laborar?  Alguém se preocupa como vão ficar quanto tudo isto acabar?  Não nos tomem por ingénuos! Fica-se com a ideia de que o objectivo desta nova candidatura é conseguir um galardão, custe o que custar, para promover ainda mais a Arrábida, entregando a sua gestão a um complexo comissariado penta-céfalo entre as 3 câmaras, ICNF e AMRS, quando um dos maiores problemas do PNA é, precisamente, a quantidade de entidades que nele manda. Para evitar surpresas, circunscreveu-se a área da Reserva dentro do actual PNA, sacando cirurgicamente as áreas problemáticas, focando os esforços nas zonas de protecção total ou complementar já existentes, onde as actividades humanas são bastante reduzidas, em alguns casos, apenas acessíveis para investigação científica, ou seja, parece que se vai criar um parque dentro do parque, uma “coutada para experiências”.  Por outro lado, a inclusão de actividades humanas na candidatura nada de novo traz, já existem, apenas necessitam de planeamento e organização coisa que nunca foi feita por falta de vontade ou, talvez, por ter demasiada gente a mexer no caldeirão.

Comecem por pensar a Arrábida no seu todo, o que nunca foi feito, gente capaz de o fazer não falta. Escutem o que a população e os intervenientes no PNA têm a dizer, não só os escolhidos a dedo, elaborem uma estratégia e um plano de acção a curto, médio e longo prazo, revejam na integra o POPNA que deverá ser um documento dinâmico e não parado no tempo. Por último, nomeiem um director independente com poderes e recursos para verdadeiramente gerir o PNA livre das habituais interferências. Sem isto, uma candidatura assim, não obrigado!

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