Amor de mãe

Amor de mãe

Amor de mãe

, Médico
26 Junho 2024, Quarta-feira
Mário Moura - Médico|

Tive a curiosidade – e o gosto – de ouvir, desde o início, a história da mãe das já famosas gémeas que vem ocupando horas nos nossos noticiários e nas colunas dos jornais. Tal história adquiriu uma notoriedade exagerada e tem sido aproveitada com vários objetivos políticos sob a capa de uma luta contra o uso das “cunhas” e contra o abuso dos privilégios dos poderosos sobre as classes dos mais desfavorecidos. Estes são dois temas preferenciais do nosso jornalismo.  E por este meio se têm feito verdadeiros julgamentos na “praça pública” e deixado “feridas graves” em pessoas inocentes. Este caso em especial foi ao extremo de provocar uma comissão de inquérito na nossa Assembleia da República e aberta aos olhares e aos ouvidos do público em geral. Por isso tive a curiosidade de ouvir com máxima atenção o depoimento da mãe das citadas gémeas – tive mesmo interesse como médico que é a minha formação.

Permitam-me, então, que conte a história através do longo e emocional relato da mãe das citadas gémeas: Essas crianças tinham uma doença rara e muito grave iniciando tratamento em S. Paulo.  A história começa com a tomada de conhecimento daquela mãe de que havia um novo medicamento que já estava a ser usado por uma determinada médica aqui no hospital de Santa Maria. A mãe das crianças que estava mais tempo com as meninas em cuidados intensivos, começou por contactar o laboratório que descobrira o tal medicamento e foi informada que estava na realidade a ser usado, mas que cada tratamento custava quatro milhões de euros. A mãe, abalada com esta notícia, resolveu fazer, através da internet, um apelo público de ajuda, e fê-lo com tal dramatismo que teve rapidamente uma resposta pública, até de famosas artistas do Brasil e os donativos começaram a chegar. Esta mãe rodeou-se dum grupo de amigas que tomaram conta da gestão do processo com base no seu endereço electrónico. Neste período teve vários internamentos nos cuidados intensivos com as crianças “por um fio”. Entretanto algumas pessoas mais ativas iam tratando de tornar as crianças portuguesas e começaram os contatos com os hospitais Lusíadas e Santa Maria. A senhora veio a Lisboa duas ou três vezes, e, neste intervalo de dois ou três meses, uma das pessoas mais interessada foi um filho do nosso Presidente que enviou uma mensagem para a Presidência da República, que foi remetida para os serviços do Ministério da Saúde.  Entretanto, uma das nossas TV pede uma entrevista, que a mãe das crianças recusa. Mas a sua conversa com a jornalista foi gravada e filmada sem autorização e nessa conversa a mãe das crianças conta a repercussão pública dos seus apelos e cita que até o filho do Sr. Presidente da República se tinha interessado. Tal reportagem é publicada e o assunto toma aqui entre nós uma repercussão de escândalo.  E a partir dessa fase começa, nas suas vindas ao Santa Maria, a ouvir que ela era a protegida do Sr. Presidente!

- PUB -

O assunto toma proporções de escândalo, mete o nome do Presidente, chovem as entrevistas com possíveis intervenientes no escândalo e tudo culmina com uma comissão de inquérito no Parlamento, com a presença da mãe das gémeas. Parece que as crianças estão a melhorar, com o tal tratamento de muitos milhões, entretanto já aplicado a outras duas ou três crianças com a mesma doença – honra para a nossa medicina e o nosso SNS!  E foi essa sessão pública que ouvi com muita atenção e tive vergonha da maneira como os senhores deputados trataram aquela mãe – trataram-na como se tivesse cometido um crime -, esquecendo todo o tempo anterior à passagem da citada reportagem obtida fraudulentamente.  E no interrogatório, praticamente todos os intervenientes esquecem o drama vivido por aquela mãe cheia de iniciativa, todos esquecendo que o seu endereço eletrónico era o centro daquela campanha e que certamente a maioria das mensagens saídas daquele e-mail eram enviadas pelo conjunto de amigas dedicadas que davam corpo ao apelo daquela mãe. É evidente que não posso garantir que no seu relato não haja alguma fantasia, mas a sua comoção e os “maus tratos” que recebeu envergonharam-me. E o assunto ainda está “em brasa”

Como sou médico e sempre valorizei as emoções atrevi-me a publicar esta minha visão do “caso das gémeas” O assunto continua na ordem do dia e vamos continuar a ouvir o tal inquérito e um autêntico massacre duma mãe com iniciativa e que (e bem) colocou os autores da entrevista em tribunal. Penso que pouca gente teve a paciência de estar quatro horas a ouvir o famoso inquérito e, portanto, vivem o problema a partir da sua fase publica.

É hoje um grave problema que vivemos: Uma informação sem garantias de autenticidade. Todos podemos viver ao engano. Ou estarei eu agora a colaborar num engano?

Partilhe esta notícia
- PUB -

Notícias Relacionadas

- PUB -
- PUB -