O estudo de Albérico Costa sobre a década sadina de 1960, em “Setúbal sob o Estado Novo – A Resistência a Salazar e a Caetano – 1950-1974”, permite ao leitor o destaque de cinco aspectos – as manifestações ocorridas em 28 de Maio de 1962, o trabalho ideológico feito na clandestinidade, a intervenção social e política dos católicos, o condicionamento da oposição nas eleições para a Assembleia Nacional de Outubro de 1969 e a perseguição da polícia política.
Nenhum destes temas surge isolado do contexto nacional desta década, iniciada por acontecimentos tão fortes do ponto de vista simbólico e social como a fuga de presos políticos de Peniche (Janeiro de 1960), o assalto ao “Santa Maria” e o início da guerra colonial (em 1961) ou o assalto ao quartel de Beja (cerca de um terço dos implicados pertencia à área de intervenção da PIDE de Setúbal) e as manifestações estudantis (em 1962), e concluída com a queda que vitimaria Oliveira Salazar (Agosto de 1968), uma anunciada liberalização de Marcelo Caetano e um ambiente persecutório à Oposição nas eleições de 1969.
As palavras de ordem pintadas na Avenida Luísa Todi em 1 de Maio de 1962, exigindo a libertação dos presos políticos e contestando a política salazarista, abriram a porta para o que seria a manifestação de 28 do mesmo mês (data escolhida por coincidir com dia importante para a criação do Estado Novo), fortemente anunciada e vivida, em confrontos com as forças de segurança, com apedrejamento do edifício da Caixa Geral de Depósitos (instituição a que as pessoas recorriam para pôr “no prego” os escassos bens que tinham), sem que a polícia política tivesse descoberto os verdadeiros responsáveis, ainda que tenha responsabilizado e tentado incriminar os membros afectos ao Partido Comunista Português.
Se este partido esteve envolvido em todo o processo de Resistência ao Estado Novo, a verdade é que essa acção teve de ser desenvolvida quase totalmente na clandestinidade – Albérico Costa regista as instalações secretas na região de Setúbal (56 casas no distrito, entre 1941 e 1974, sendo 18 no concelho de Setúbal), destacando duas: a morada que serviu o casal de militantes comunistas Dinis Miranda e Aura Silva, na Praceta de Macau, até à prisão de ambos em 1967 e apreensão de documentos ligados ao partido, e a tipografia clandestina do jornal “Avante!” localizada na Rua Frei António das Chagas, desmantelada em 1967, quando foram presos Manuel Gonçalves e Joaquina Galante, ali residentes e responsáveis pela gráfica.
Sector também importante na crítica e contestação ao regime político foi o da Igreja setubalense (que viveu nesta década também os primeiros passos para a criação da diocese, sendo o cónego João Alves o vigário da Zona Pastoral de Setúbal), com a acção de vários membros do clero e de muitos leigos, numa perspectiva de compromisso com a liberdade, de contestação da guerra colonial, de apelo à participação nas eleições, de apoio social e de realização de sessões culturais e informativas. Capítulo indispensável para a história dos católicos de Setúbal, passa pelas histórias de muitos que estiveram na primeira linha da crítica ao poder (com prisões pela PIDE, como foram os casos dos padres Carlos Alves, de Alhos Vedros, e António Correia, de Palmela), pelo movimento do Secretariado Cristão de Acção Social, pela Fraternidade Operária das Praias do Sado, pelo jornal “Notícias de Setúbal” (periódico diocesano em que assumiu particular destaque a intervenção do médico Mário Moura), pela criação do espaço Culdex (que, depois, originaria a livraria Culsete).
A década de 1960 acaba no processo eleitoral para a Assembleia Nacional em 1969, com uma Oposição a quem foi tolerado concorrer, mas sob fortes condicionalismos e pressões que foram até à falsificação e manipulação do processo eleitoral por membros afectos à União Nacional visando a distorção dos resultados e, mais uma vez (como sucedera no final da década anterior), sem um entendimento sólido entre as várias frentes que constituíam os movimentos oposicionistas.
Aspecto importante realçado ao longo desta obra é o das prisões e da recolha de informações sobre opositores, chegando muitas das observações à indignação, por um lado, e ao ridículo, por outro, pelas inferências apresentadas, como se vê num registo sobre Mário Moura pelo chefe do posto de polícia: “É um indivíduo muito esperto e manhoso, ausenta-se frequentemente do País, levando uma roulotte atrelada ao seu carro, possivelmente para estabelecer contactos no estrangeiro com maior segurança.”
A cronologia da década informa sobre eventos importantes para a cidade em diversos planos: a inauguração do Museu de Setúbal (1961) e do Estádio do Bonfim (1962), o litígio entre a Soltróia e os proprietários em Tróia em torno da desocupação do terreno (1963), os problemas ambientais trazidos pela Socel (1964), a inauguração do Parque das Merendas da Comenda (1967) e a fundação do Círculo Cultural de Setúbal (1969), entre outros.