Ao que tudo indica uma das mais prementes solicitações de autarcas e empresários da península de Setúbal foi acolhida; o Estado português, através do INE, solicitou ao Eurostat, no último dia legal do prazo previsto, 1 de Fevereiro de 2022, uma proposta de revisão de NUTS (nomenclatura das unidades territoriais para fins estatísticos), que beneficiará o conhecimento estatístico da península de Setúbal, conhecimento este que é vital para conhecer a realidade e agir sobre ela.
Igualmente esta revisão poderá potenciar o acesso a fundos europeus por parte das empresas localizadas na região de Setúbal que actualmente, por a península estar associada aos concelhos mais ricos da margem norte do Tejo, tem o seu acesso mais condicionado.
A fazer fé no compromisso de António Costa em 26 de Novembro de 2021 numa visita à Autoeuropa em Palmela e de Ana Catarina Mendes em 14 de Janeiro 2022 num debate eleitoral com os cabeça-de-lista pelo círculo de Setúbal no Barreiro, essa proposta permitirá primeiro a criação de uma unidade territorial tipo NUT III e depois, e mais importante no acesso aos fundos, uma NUT II na península de Setúbal, que pelos motivos indicados anteriormente, tem sido uma reivindicação dos agentes dinamizadores deste território a sul de Lisboa.
O distrito de Setúbal encontra-se a este nível partido ao meio. Nove dos seus treze municípios estão englobados na NUT II e III da Área Metropolitana de Lisboa (AML) e quatro na NUT II do Alentejo.
Assim, a península de Setúbal, esta integrada na NUT II AML, a mais próspera NUT II de Portugal, com acesso reduzido a fundos comunitários e numa situação desfavorável no regime de apoios a grandes empresas.
Este facto tem enviesado o conhecimento estatístico da região e prejudicado o acesso das empresas ao capital que não conseguem obter por via do exíguo mercado de capitais do nosso país e da escassez de capital disponível por parte da Banca.
Num contexto de escassez de capital, reduzida liquidez, causada por uma economia estagnada, impostos elevados e custos de contexto consideráveis, estes fundos são a única fonte de capital a que as empresas localizadas nos nove municípios da península têm acesso. Setúbal, neste particular, é rica de nome mas não tem proveito.
Sendo estas boas notícias, parece-nos ser importante alertar para possíveis consequências que podem, se não acauteladas, ter implicações menos positivas para a península de Setúbal e que descreveremos adiante.
Desde que entramos na União Europeia (UE) recebemos 117 mil milhões de euros, para redistribuir pela economia nacional e assim potenciar o seu desenvolvimento. Não obstante, Portugal encontra-se estagnado, com o crescimento da economia portuguesa de 1999 a 2018 a situar-se por volta do 1% por ano de crescimento real. As perguntas que tantas vezes colocamos são as seguintes:
- como foi possível termos tido acesso a tanto dinheiro com resultados tão fracos para os portugueses?
- porque não conseguimos fazer crescer as nossas empresas, salários e riqueza mais com o dinheiro que tivemos?
Existem variadas razões que não cabem neste artigo detalhar (o nosso primeiro-ministro num assomo de cinismo político e desresponsabilização, diria que “a História explica”), mas, conforme referimos anteriormente, preocupa-nos o futuro e os seguintes desafios que, pensamos, serem muito relevantes para as empresas da península de Setúbal que, eventualmente, a partir de 2027 queiram ter acesso aos recursos financeiros vindos da União Europeia:
- Parece existir uma “indústria profissional” de captação de fundos europeus, fundos esses que não foram, em pacotes anteriores, devidamente monitorizados na sua aplicação e alcance dos objectivos a que se propuseram. Este facto foi extraordinariamente lesivo para as empresas nacionais e para os portugueses no seu todo. A península é uma região fortemente industrializada, onde a transição energética e a descarbonização – com investimento em energias renováveis, hidrogénio verde e bio-economia sustentável -, bem como a transição digital e a formação / reconversão dos recursos humanos, assumem papel estratégico determinante e onde serão necessários grandes investimentos em equipamentos com grande incorporação tecnológica. Serão muitos milhões de atractivos euros para esta “indústria profissional de fundos” que carecem de ser bem avaliados para onde vão e com que resultados concretos, pois há custos e juros futuros associados;
- A “subsidiodependência” que se criou na economia e na sociedade portuguesa, e que os milhões provenientes da EU potenciam, sendo isto resultado do enorme peso que o Estado tem na economia e da dependência de todos e em particular dos empresários das decisões políticas. É um ciclo vicioso que todos conhecemos em que os empresários são taxados de forma elevadíssima, acabando dependentes de auxílios, apoios e capturas financeiras por esse mesmo Estado.
Em 2000, o PIB per capita da região de Setúbal era equivalente a 68% da média da UE e é previsível que em 2027, venha a cair para 47% da média da UE. Temos de mudar! Esperemos que nesta data, todos tenhamos já aprendido a lição e que o recurso aos fundos se faça com reais preocupações de investimento orientado ao crescimento e desenvolvimento da península de Setúbal.
Há feridas que ainda não cicatrizaram completamente neste território e os setubalenses, bem como todos os portugueses, merecem acreditar que as suas capacidades serão suficientes para construir um futuro melhor com cada vez mais independência de apoios e subsídios da UE.
Seria o desafio de uma geração, Portugal e a península de Setúbal em particular, atingir um crescimento económico tal e um nível de desenvolvimento observado noutros países, que passasse de uma posição de beneficiário líquido dos quadros comunitários de apoio para a de contribuinte líquido.