O poder local democrático, é uma das maiores conquistas do 25 de abril.
Decisivo para dotar parte do nosso território de infraestruturas básicas – designadamente ao nível do saneamento – nos primeiros anos da Democracia, ele jogou sempre um papel muito relevante na vida concreta das pessoas – da higiene urbana ao cuidado do espaço público, da Educação ao apoio ao movimento associativo, da cultura ao deporto, passando pela regulação da ocupação do espaço público, do ruído ou do ordenamento do território.
Se dúvidas ainda houvesse, a pandemia de COVID-19, que há quase dois anos atravessamos, e obrigou o poder político a adotar uma série de medidas para a controlar, veio provar mais uma vez o papel decisivo das autarquias locais.
Chamadas desde a primeira hora a intervir, elas estiveram presentes, desde logo nas áreas da saúde e da proteção civil, financiando testes, distribuindo equipamentos de proteção individual, colaborando na logística da vacinação e coordenando ou apoiando outros agentes de proteção civil.
Mas também apoiando os que ficaram económica e socialmente mais vulneráveis – p. ex. reforçando a sua intervenção no apoio alimentar, isentando rendas de habitações sociais ou concessões, taxas e tarifas, ou apoiando o comércio tradicional.
Isto no contexto de uma exigência crescente dos cidadãos, propiciada pela comparação com os exemplos de autarquias congéneres – que os meios de comunicação modernos franquearam, e não deixa se ser positiva para a Democracia.
Ao contrário do que por vezes se pensa, as Câmaras e as Assembleias Municipais, por uma banda, e as Juntas e as Assembleias de Freguesia, por outra, não são uma espécie de “delegação local” do poder público na circunscrição territorial a que se reportem, com poder de ação, nessa escala, sobre todas as áreas da vida coletiva. Elas são entidades que só têm competências em áreas específicas, se lhes tiverem sido dadas por leis prévias. E é só nessas áreas que podem atuar – por muito relevantes que outras sejam.
Por isso, a pandemia – inserindo-se num contexto mais amplo de maior exigência dos cidadãos face ao papel das autarquias locais – veio colocar o desafio do reforço das competências e dos meios de intervenção destes organismos.
Gizado pela Lei n.º 50/2018, o processo de transferência de competências do Estado para as Autarquias Locais, atualmente em curso, aponta claramente nesse sentido, alargando a esfera de intervenção de municípios e freguesias (estas últimas por delegação daquelas primeiras) em domínios muito relevantes como a saúde, a educação ou a ação social.
Há, por certo, quem ainda pense que tudo deveria ficar melhor como está, e que ao poder local caberá exercer os seus poderes “clássicos” e reivindicar do Estado que resolva o resto. Não creio que essa maneira de ver as coisas corresponda às expectativas dos cidadãos: se há lição que retiramos da pandemia, é que é preciso aprofundar as possibilidades de intervenção das autarquias e os seus meios de ação – não só financeiros e materiais, mas também humanos, permitindo dotar os seus serviços de trabalhadores qualificados, em linha com a crescente complexidade do serviço público.
É por isso que este processo de transferência de competências veio em boa hora e deve mesmo ser reforçado – em diálogo com os atores locais e eventualmente em ritmos diferenciados, se as especificidades de alguns deles assim o impuserem.
Só desta forma se responderá melhor às necessidades e aos anseios dos cidadãos.