A propaganda do regime divulgou a imagem de um homem defensor dos bons costumes e da virtude, que teria casado com a Pátria sua amada. Mas o governante celibatário, casto, sem mácula de pecado, defensor da moral católica terá tido afinal uma vida dúbia em relação ao amor e ao sexo? As amantes que lhe foram atribuídas terão sido reais ou inventadas? Terá praticado o ato libidinoso ou não terá ido além do amor platónico? Rodear-se de «afilhadas» terá sido a mera recriação dos seus tempos de menino, dos carinhos, mimos das irmãs ou o gosto por conviver com crianças do sexo feminino?
Recorde-se que Salazar foi o único filho varão de cincos irmãos e o último a nascer. Fernando Dacosta, na obra As máscaras de Salazar, refere, com base no testemunho de uma das suas antigas «afilhadas», que a casa no palácio de S. Bento estava sempre cheia de miúdas. Era a Micas, era a Maria Antónia, era a Henriqueta, era a irmã da testemunha, era… Nem a P.I.D.E. nem a Censura livraram o ditador português das más-línguas: «Há quem o diga amancebado com a governanta e pai de duas «afilhadas»; «há quem o acredite misógino, casto e sublimado de sexualidade.», acrescenta Dacosta.
Quando tinha vinte e cinco anos, foi expulso da casa dos padrinhos de batismo, a família Perestrelo, por cortejar a sua filha, com dezasseis anos de idade. Como prova de agradecimento por os padrinhos o alimentarem, o ainda estudante ofereceu-se para dar explicações à jovem Júlia. Sem conhecimentos musicais que lhe permitissem continuar as explicações no âmbito do piano, Salazar, de pé, ao lado da sua querida Julinha, desempenhava funções de pedestal automático: virava as folhas das músicas. Extasiado pela beleza da adolescente, fixava nela os seus olhos, revelando a alma apaixonada. A senhora Perestrelo apercebeu-se dos sentimentos do afilhado nascido no campo, bem longe de palácios e cortes. Quando o explicador sai, faz ela o papel de pedestal automático, folheia as pautas, e… encontra um bilhete: «minha querida Julinha, às cinco da tarde quero ver-te. Ficas por dentro do vidro da janela, que eu vou passar na rua.». O apaixonado é confrontado pela senhora: «Senhor doutor, nem tão alto subir, nem tão baixo descer.» Humilhado, abandona a casa. Afirma jamais esquecer a ofensa; e não esqueceu, pois não voltou a entrar na casa dos padrinhos.
Ao longo da sua vida, terá amado mulheres de todos os estratos sociais, casadas, solteiras, ricas, pobres, todas mulheres bonitas. Envolveu-se com a aristocrata Carolina de Asseca, a única que chegou a acompanhá-lo em atos públicos. O caso amoroso é falado no estrangeiro. Em julho de 1946, também a revista Times recorda as origens rurais de Salazar: «o decano dos ditadores da Europa tem a ambição de juntar as suas botifarras de rústico aos chapins aristocráticos da condessa». «As botifarras de rústico» não se juntaram «aos chapins aristocráticos» por Salazar ter decidido acabar com a relação amorosa quando saiu o artigo na revista, deixando a ex-futura esposa num enorme pranto.
Foi no seu tempo de presidente do Conselho que aconteceu o ballet rose, (altas figuras do regime participaram em orgias com crianças entre os 8 e os 12 anos. O escândalo rebentou em 1967))que hoje, enquanto caso de pedofilia, abriria telejornais, seria capa de revistas, primeira página de jornais. Quando Mário Soares denunciou o caso na comunicação social estrangeira , Salazar pôs de imediato a PIDE em ação, deportando o jovem advogado para São Tomé e Príncipe.
O homem defensor «da moral e dos bons costumes» chegou a afirmar que era «mais simples atingir a felicidade pela renúncia do que pela procura e satisfação das necessidades sempre mais numerosas e intensas.» Vem a propósito recorrer à voz do povo: «faz o que eu digo, não faças o que eu faço!»