A Lisboa exótica e das mais desvairadas gentes

A Lisboa exótica e das mais desvairadas gentes

A Lisboa exótica e das mais desvairadas gentes

, Ex-bancário, Corroios
11 Abril 2023, Terça-feira
Francisco Ramalho

Por solidariedade, mas também, obviamente, porque me interessa estar o mais bem informado possível, fui à manifestação pelo Direito à Habitação de dia 1, em Lisboa.
Tratou-se de uma grade manifestação que saiu da Alameda D. Afonso Henriques e percorreu a Av. Almirante Reis, até ao Martim Moniz. Não presenciei os desacatos que noticiaram. O que constatei, foi muita revolta, muita gente indignada, entoando palavras de ordem como esta: “Tanta gente sem casa, tanta casa sem gente”. Mas, ordeiramente.
Ao passar junto do Intendente, como há muito, ali não ia, saí e fui observar. Quase nada tem a ver como nos meus tempos de marujo, em que com os meus camaradas de vida airada, fazia parte do roteiro; Cais do Sodré, Bairro Alto, Intendente. Já lá vai o tempo do Intendente dos bares, das pensões esconsas, das rixas e das prostitutas. Hoje, quem ali mora e faz a sua vida, é gente vinda da Índia, do Bangladesh, do Paquistão, do Nepal, do Sri Lanka (antiga Ceilão do tempo em que por lá andaram os nossos antepassados, demandando as sete partidas do mundo).
Os estabelecimentos comerciais de quase toda a zona do Martim Moniz, nomeadamente da Rua do Benformoso, são dessa gente. E o português, quase não se fala ali. Também não é necessário, porque a clientela lusa, é quase inexistente. Apercebi-me mesmo, que até muitos daqueles comerciantes, quase não o falam. Até mais abaixo, na Rua Barros Queirós, é quase a mesma coisa.
Chegados ao Largo de S. Domingos, esse local tão histórico e típico de Lisboa, com a célebre ginjinha em cuja taberna se pode ler esta saborosa quadra: “ É mais fácil com uma mão/Dez estrelas agarrar/ Fazer o sol esfriar/Reduzir o mundo a grude/ Mas ginja com tal virtude/É difícil de encontrar. Foi ali, na igreja com o mesmo nome do largo, que no dia 19 de abril de 1506, se iniciou uma das páginas mais negras da história da cidade. Por intolerância e fanatismo religioso, foram perseguidos e mortos milhares de judeus. Atualmente, o ambiente é pacífico e local de grande convivência. Também ali se pode constatar uma herança da nossa história colonial. De povo que deu novos mundos ao mundo. Todas as tardes e fins-de-semana, ali se reúnem em convívio, não asiáticos como no intendente, mas africanos. Sobretudo da Guiné. Mas também alguns cabo-verdianos e senegaleses e se comercializa, para matarem saudades, iguarias dos seus países.
Portanto, tudo isto, é fruto da nossa história. Restos do nosso império que tornam a nossa capital ainda uma cidade tão diversificada exótica e desde há muito, também tolerante.
Em plena Rua do Benformoso, encontrei um casal de irlandeses de máquina fotográfica a tiracolo e completamente extasiados. Para tentarem entender o que viam, e talvez por me acharem mais parecido com eles, meteram conversa comigo. E com o meu inglês sofrível e ainda mais com português deles, foi isso que, confesso, com algum orgulho, lhes expliquei. Depois, levei-os à ginjinha, agradeceram-me muito, e adoraram.

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