A propósito do aeroporto (ou apeadeiro) anunciado para a atual Base Aérea n.º 6 no Montijo, há uma impressionante operação de manipulação, em que tudo serve para impor a narrativa da multinacional Vinci e de quem se submete aos seus interesses. Dizem-nos que começa tudo de novo, que o processo volta à indefinição.
Mas o que ninguém diz é que desde 2008 já havia uma decisão muito clara, com o Governo a aprovar a localização no Novo Aeroporto de Lisboa – confirmando os estudos técnicos, num processo de avaliação técnica integrada sem precedentes, conduzido pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil que concluíram pela construção nos terrenos do Campo de Tiro de Alcochete.
Foi então aprovada a Declaração de Impacto Ambiental para esse projeto. A Avaliação Ambiental Estratégica foi realizada. E sabem que mais? Todos os municípios em causa emitiram parecer favorável! Ou seja: todos os critérios (todos!) exigidos na Lei estavam preenchidos e respeitados e o Novo Aeroporto no CTA estava pronto a avançar. A Lei nunca foi o problema. Quando é que passou a ser? Simples: quando os interesses da multinacional Vinci começaram a falar mais alto.
O projeto aprovado em 2008 permitia uma construção faseada, que poderia ter início rapidamente, começar a funcionar complementarmente à Portela – e que teria um processo gradual de expansão e desenvolvimento, aliviando a pressão sobre a Portela e o centro de Lisboa. Mas eis que a gestão privada e os milhões que passaram a estar em jogo entraram na equação. Só nos últimos dois anos antes da pandemia, foram carregados mais de 600 milhões de euros para França em dividendos e juros da ANA Aeroportos para a casa-mãe Vinci.
Não há um único estudo que aponte a localização da BA-6 no Montijo como a melhor opção. Nem um! A solução foi descartada no passado pela própria ANA Aeroportos. Mas a estratégia da Vinci é outra: prolongar e intensificar a utilização do Aeroporto da Portela como “galinha dos ovos de ouro” – e “complementar” a coisa com a BA-6.
Depois de um processo de Avaliação de Impacto Ambiental onde foi esmagadora a rejeição das instituições que participaram no processo (muito para além das autarquias), com a falta de pareceres favoráveis dos municípios, a ANAC determinou nos termos da Lei o indeferimento liminar da proposta. Então o Governo anunciou duas coisas: primeiro, ao agarrar-se como um náufrago à tábua da “avaliação ambiental estratégica” (que sempre recusou porque a Vinci não deixava), declarou agora um insólito processo de cartas marcadas: ou o Montijo como solução complementar à Portela, ou o Montijo como futuro Novo Aeroporto de Lisboa, substituindo gradualmente a Portela (!!!) ou a construção do NAL no CTA (sem uma palavra sobre construção faseada nem processos de expansão…). Segundo: anunciou que irá apresentar uma alteração à Lei, para retirar às autarquias o papel que hoje têm.
É a lógica de que “podem falar à vontade, desde que seja a favor”. É a lógica dos órgãos do Estado como departamentos das multinacionais e não como instituições democráticas. O PSD, como é evidente, já disse que está aí para o que der e vier – e garantiu a aprovação da Lei, dizendo (sem se rir à gargalhada) que isto não tem nada a ver com o caso concreto deste aeroporto. Mas essa pérola legislativa é um fato à medida da multinacional.
Se os planos da multinacional e do bloco central forem por diante, a política de direita vai assim dar à luz mais uma linda menina – que já tem nome e tudo. Vai-se chamar Lei Vinci. Nome completo, Lei de Submissão à Vinci: submissão da parte da mãe, Vinci da parte do pai.
A Constituição estabelece como primeiro princípio fundamental da organização económico-social do País a subordinação do poder económico ao poder político democrático – artigo 80.º alínea h). É preciso é que haja a coragem política e a opção de classe para isso.