A Igreja, os recasados, a suposta abstinência e os abusos sexuais

A Igreja, os recasados, a suposta abstinência e os abusos sexuais

A Igreja, os recasados, a suposta abstinência e os abusos sexuais

, Professor
3 Outubro 2022, Segunda-feira
Professor

Há alguns anos atrás surgiu um documento publicado pelo cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, destinado aos casais católicos que, ao recasarem-se, deveriam “deixar de propor a vida em continência na nova situação”.

O documento do cardeal-patriarca de Lisboa referia ainda que os ditos recasados podem “em circunstâncias excepcionais” aceder aos sacramentos da Igreja Católica, mas a Igreja não deve deixar de lhes propor “a vida em continência”, devendo, por outras palavras, incentivar a abstinência sexual aos casais nesta situação.

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Na ocasião, ainda pensei que pudesse ser uma interpretação abusiva por parte da Comunicação Social, relativamente às palavras de D. Manuel Clemente.

Contudo, logo a seguir, o padre Rui Pedro Carvalho, director do serviço de Pastoral Familiar do Patriarcado de Lisboa, disse: “Não é D. Manuel quem aconselha, é o Papa João Paulo II. Esta recomendação já vem da exortação apostólica Familiaris Consortio, de 1981″.

  1. Manuel Clemente relativizou, afirmando que teria sido mal compreendido e que a abstinência sexual é uma possibilidade entre várias.

Seja como for, na outra exortação apostólica Amoris Laetitia que o Papa Francisco publicou em Abril de 2016, este desafiava as dioceses dos vários países a colocarem de parte “a fria moralidade burocrática” e a serem misericordiosas com quem se divorciou ou vive numa união fora do casamento.

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O conceito de condicionar os casais recasados ou quaisquer outros, relativamente à própria intimidade, colide directamente com a própria liberdade de cada um.

Os casais que vivem de forma intensa, afectiva, com uma dimensão integral daquilo que deve ser o ser humano na sua autenticidade, não lhes deve ser vedado por “decreto” aquilo que devem, ou não, fazer.

A relação física entre duas pessoas é uma das formas mais sublimes, nobres, dignas e elevadas de demonstração da afectividade.

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Ao longo dos séculos, a Igreja tem convivido com muita dificuldade e em sobressalto, relativamente a esta matéria, evidenciando um comportamento bastante desconfortável, colocando-a erradamente ao nível do pecado.

O pecado carnal.

O problema coloca-se de tal forma que dentro do seu seio, alguns que pregam a abstinência sexual, são os mesmos que se deixam enredar em situações de vergonhosos e indignos abusos sexuais, nomeadamente ao nível da pedofilia, passíveis de procedimento criminal.

A esse respeito existe um excelente filme intitulado “O Caso Spotlight” de 2015, do realizador Tom McCarthy, baseado numa  história verídica, vencedor do Óscar de Melhor Filme e de Melhor Argumento Original, em 2016.

A história centra-se na equipa “Spotlight” do jornal “Boston Globe” que investigou casos de vários padres da Igreja Católica que foram acusados de abusos sexuais a crianças da comunidade. Ao investigarem a fundo, aperceberam-se de décadas de encobrimento que envolveram os mais altos níveis das instituições da cidade de Boston, seja a nível religioso ou político.

Decididos a mostrar a verdade e a levar os responsáveis a tribunal, a equipa de jornalistas empenhou-se em encontrar provas irrefutáveis, entrevistando vítimas, procurando dados de arquivo e testemunhos.

Este caso de pedofilia que chegou às primeiras páginas dos jornais de todo o Mundo, abalou profundamente a Igreja Católica. Desde então, vários casos similares foram tornados públicos, onde muitas vítimas contaram as suas histórias e muitos padres foram condenados.

Com esta investigação, o jornal “Boston Globe” venceu o Prémio Pulitzer.

Quanto a Portugal, a Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja Católica, organismo liderado pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, anunciou já ter registado 362 testemunhos de abusos cometidos no seio da Igreja ao longo dos últimos 70 anos.

Paralelamente, o Papa Francisco abriu as portas a uma maior abertura da Igreja, promovendo diálogos inter-religiosos. A moral cristã não pode ser um catálogo de pecados e erros. É uma dimensão completamente diferente, onde o Amor prevalece.

Um aspecto muito importante que aqui convém salientar, é o facto de na Igreja haver muita gente boa e honesta que se envergonha destes casos, a começar pelo próprio Papa.

Para nós, católicos, é imperioso termos nestas matérias uma visão diferente da que a hierarquia católica proclama e que nunca irá condicionar a profundidade da fé de cada um.

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