Nestes dezasseis anos que mantenho este espaço de opinião, já escrevi diversas histórias, mas nunca como a que se segue que descobri meramente por acaso.
O nome do jovem afegão no qual se centra a história é fictício. Chamo-lhe “Ali”. Foi ele que escolheu o nome.
Não faço qualquer referência nem à escola que frequenta em Portugal, nem à cidade do Afeganistão de onde é proveniente, nem aos nomes dos familiares por óbvias questões de segurança.
Todavia, a história é absolutamente real, comovente e inspiradora.
O “Ali” é de origem afegã. Em 2005, toda a família (pais e cinco irmãos) fugiu para o Paquistão. A Mãe estava grávida de “Ali”. Este sendo afegão, nasceu no Paquistão. Os pais e três irmãos ainda lá continuam.
Em 2015, decididos a melhorar de vida e irem à procura de outros horizontes, “Ali” e o seu irmão mais velho atravessaram ilegalmente a fronteira entre o Paquistão e o Irão. Daí deslocaram-se para a Turquia. Sempre ilegais.
Um aspecto que eu gostaria de enfatizar é que todo este trajecto foi efectuado a pé o que diz muito sobre a resiliência e determinação dos dois jovens.
Acto contínuo, deslocaram-se da Turquia de barco até à Grécia, nomeadamente à ilha de Lesbos, onde permaneceram durante algum tempo, tendo-se deslocado posteriormente, também de barco para Atenas.
Na capital grega conseguiram regularizar a sua situação documental, com a atribuição de passaportes afegãos.
Foi-lhes, entretanto, referido que Portugal era um excelente país de acolhimento, pelo que optaram pelo nosso país, tendo efectuado a viagem de avião entre Atenas e Lisboa, em 2017.
Em muito boa hora o fizeram.
Numa primeira fase, ficaram alojados no Montijo, durante um ano, após o que ambos os irmãos se mudaram para Setúbal, através de uma fundação que “Ali” também me solicitou que não mencionasse explicitamente, mas que tem efectuado um trabalho altamente meritório no acolhimento aos refugiados.
Actualmente, o “Ali” estuda e o irmão trabalha.
O que me leva a outra história, também envolvendo afegãos.
Desde 2010 que o Instituto Nacional de Música do Afeganistão tem sido uma referência na luta pela igualdade no país. Não só apoiava a educação de raparigas, como criou a sua própria orquestra inteiramente feminina em 2015 — a Zohra — que chegou mesmo a fazer uma digressão mundial.
Contudo, o panorama mudou radicalmente quando os taliban assumiram o controlo do Afeganistão, tendo o referido instituto tornado um alvo a abater.
Em Agosto de 2021, Ahmad Naser Sarmast, responsável pelo Instituto efectuou vários contactos para lhes descobrir uma nova casa, acabando por falar com representantes do Governo português, que lhe garantiram uma nova oportunidade para os jovens músicos do Afeganistão.
Os detalhes foram acertados, a viagem estava agendada para o mês de Agosto, mas a segurança no aeroporto de Cabul e a presença dos taliban inviabilizou a viagem.
O grupo foi obrigado a permanecer no Afeganistão, onde esconderam os próprios instrumentos. Na ocasião, vários alunos tentaram fugir do Afeganistão, tendo cerca de 100 conseguido fazê-lo e chegado a Portugal
A chegada surge no âmbito do plano de apoio de Portugal que já permitiu a entrada de 764 refugiados afegãos.
Todas estas histórias cruzam-se com as do nosso amigo “Ali” e do seu irmão.
À medida que a sua história avançava, se adensava e ouvia todos os meandros da sua narrativa, ia ficando de boca aberta, emocionado e impressionado com tanta força e determinação destes dois jovens admiráveis que fazendo das fraquezas, forças, foram resolutamente ao encontro do próprio destino, com toda a firmeza e capacidade de sofrimento evidenciadas em todo este conturbado processo.
“Ali” evidencia uma enorme tristeza por estar afastado da restante família (pais e três irmãos), estando a envidar todos os esforços para os trazer para Portugal.
O “Ali” domina os seguintes idiomas: afegão, farsi, paquistanês, indiano, inglês e português.
Notável, sem dúvida.
O nosso amigo “Ali” acha que Portugal é um país lindo com gente muito simpática. Já não quer mais sair daqui.
Caros amigos “Ali” e irmão. Tudo de bom para vós e que a família se possa juntar de novo para gáudio de todos.
São estas histórias que nos elevam o espírito, acariciam a sensibilidade e lavam a Alma.