Na sequência da crónica da semana anterior, meditava sobre alguns pressupostos que nos conduziram à guerra entre a Rússia e a Ucrânia.
Estes assuntos devem ser discutidos de forma pacífica e nunca recorrendo às armas. Com Vladimir Putin no poder desde 1999 até um horizonte que se estende a 2036, e com ambições territoriais, dificilmente será de outra forma.
Nos anos 20, a Ucrânia passou a fazer parte da União Soviética, conjuntamente com Arménia, Azerbaijão, Bielorrússia, Cazaquistão, Estónia, Geórgia, Letónia, Lituânia, Moldávia, Quirguistão, Rússia, Tajquistão, Turcomenistão e Uzbequistão.
Estaline tomou um conjunto de medidas para garantir a total abolição da propriedade privada, através da colectivização de todas as terras, decretando a entrega imediata de toda e qualquer propriedade ao Estado Soviético.
Como seria expectável, tal plano gerou fortes resistências, sobretudo na Ucrânia. Como represália, Estaline bloqueou completamente o fornecimento de alimentos à população rural da Ucrânia (mais de 75% do seu total). A comida pura e simplesmente desapareceu.
Estaline proibiu também a circulação dos camponeses para as cidades, interditando também a sua circulação através da rede de comboios.
Daí que, entre 1932 e 1933, morreram cerca de 10 milhões de ucranianos de fome. Famílias inteiras arrasadas, crianças que nasceram sem vida, milhares de seres humanos deixados no chão ao abandono, corpos que nada mais eram do que a pele colada ao osso, com a horrenda realidade do canibalismo. Na verdade, milhares de famílias recorriam a essa forma extrema de sobrevivência.
Este genocídio do povo ucraniano foi baptizado de “Holodomor”, que significa “matar pela fome”.
Existia em Estaline uma dimensão paranóica, de uma brutalidade assassina que fazia do estalinismo uma forma extrema de comunismo; mas não seria a única.
O ressentimento entre ucranianos e russos agudizou-se desde essa ocasião.
Em 1991, com o desmembramento da União Soviética, a Ucrânia alcançou a sua independência e tem vindo a procurar aproximar-se dos países que fazem parte da União Europeia e da NATO, tal como tem sucedido com os restantes países de Leste, exceptuando a Bielorrússia.
Já há muito tempo que perceberam que o abraço do “urso” russo não lhes traz prosperidade, mas tão-somente dependência, estagnação, penúria e falta generalizada de qualidade de vida. E (mais) ditadura.
Os ucranianos querem sobretudo evitar repetir aquilo que se tem passado com a Finlândia.
Em 1939, a União Soviética invadiu a Finlândia. Após várias derrotas soviéticas, a URSS de Estaline recuperou e obrigou a Finlândia a estabelecer um acordo de paz onde cedeu os territórios que lhe davam acesso ao Mar de Barents, a Norte e boa parte da Carélia, a Sul. A perda mais significativa e dolorosa foi a cidade finlandesa de Viipuri (rebaptizada Viburgo), que na altura era a segunda maior da Finlândia. Estima-se que 450.000 finlandeses tiveram que sair dos territórios cedidos à União Soviética.
Durante o período da Guerra Fria, a Finlândia procurou manter boas relações com a URSS, sempre com cuidados acrescidos de não irritar Moscovo. Em 1989, a URSS era mesmo o principal parceiro económico da Finlândia, convertendo os finlandeses à política de neutralidade imposta pelo acordo de paz, em benefícios económicos e prosperidade social. A ocidentalização da Finlândia independente, sob uma aura de subjugação passiva a certos interesses de Moscovo, ficou conhecida como “Finlandização”.
Como dizem uns amigos meus finlandeses “A Finlândia tem o coração virado para Ocidente e o traseiro virado para a Rússia”.
Quanto a Vladimir Putin, entende que a Ucrânia não tem razão histórica para existir; quanto aos ucranianos demonstram claramente que está equivocado.
Tal como sucedeu com Hitler com a invasão da Polónia em 1939, também Putin desvaloriza as democracias e não entende que estas demoram a reagir, mas quando o fazem, podem tornar-se imparáveis.
E aí será o seu fim.