A flexibilização curricular

A flexibilização curricular

A flexibilização curricular

3 Junho 2018, Domingo
Francisco Cantanhede

Recentemente surgiram várias notícias e artigos de opinião na comunicação social sobre a flexibilização curricular, nomeadamente criticando os documentos Aprendizagens Essenciais (AE) de História e Geografia de Portugal (HGP) e de História, oriundos do Ministério da Educação.
Começando pelas razões que levaram à elaboração das AE , é sabido que os programas das diferentes disciplinas, por serem demasiado extensos, dificultavam a implementação de novas práticas pedagógicas e, por não serem trabalhados na sua totalidade, originavam discrepâncias e injustiças. Por exemplo, as avaliações externas, especialmente os exames nacionais, tendo por base esses programas, poderiam avaliar conteúdos/aprendizagens que umas escolas tinham trabalhado com os seus alunos e outras não. Assim, os documentos AE contemplam os conteúdos/aprendizagens mínimos a serem trabalhados pelos alunos de todo o país, logo permitirão uma maior justiça nas avaliações externas. Por outro lado, como as AE não substituem os programas das disciplinas, ou seja, os mesmos continuam em vigor, as turmas com melhor ritmo de aprendizagem poderão ir além das AE. Pelo exposto, parece evidente que a flexibilização curricular é uma medida acertada. Então o que terá provocado tanta crítica na comunicação social?
Para se definirem conteúdos/aprendizagens mínimos, foi necessário fazer cortes, e alguns foram «cortes cegos». Vejam-se exemplos de AE de HGP, 6.º ano, e História 7.º ano:
No documento de HGP consta «Identificar medidas governativas da 1.ª República…» «Sintetizar as principais medidas do Estado Novo…». Saiba caro leitor que estes descritores implicam «saltar» das medidas tomadas durante a 1.ª República para a ditadura salazarista, ignorando-se as razões da queda da 1.ª República, a Ditadura Militar e a ascensão de Salazar ao poder. Todos estes acontecimentos históricos ficarão a cargo da imaginação dos alunos; talvez acreditem, por exemplo, que Salazar aparece como Presidente do Conselho de Ministros, por obra e graça do Espírito Santo. As obras públicas, a migração e a emigração do tempo da ditadura, os acontecimentos do dia 25 de Abril- saneamento de Salgueiro Maia e do povo que saiu à rua?- também deixaram de ser aprendizagens essenciais; sobre a União Europeia basta «identificar/aplicar o conceito de EU»; em contrapartida, os alunos terão de saber «comparar o espaço rural com o espaço urbano enunciando diferenças ao nível das atividades económicas, ocupação dos tempos livres, tipo de construções e modo de vida». Assim, é essencial que os alunos aprendam que os montes alentejanos eram pintados de branco, que no Norte se usava o granito na construção das casas, mas não é essencial saber as razões que levaram milhares de alentejanos, beirãos, transmontanos a emigrar ; é essencial que os alunos aprendam como as populações rurais e urbanas ocupam o seu tempo livre- será que há diferenças significativas, pois observo idosos de meios rurais a usar o Facebook, pastores com telemóvel e internet?- mas não é essencial saber, por exemplo, de que modo a participação de Portugal na Primeira Guerra Mundial e a instabilidade política contribuíram para o fim da 1.ª República ou como Salazar passou de Ministro das Finanças a Presidente do Conselho de Ministros
Nas AE, 7º ano, a herança grega reduz-se à democracia, a herança romana desapareceu, tal como a herança árabe/muçulmana e a arte romana deixou de ser essencial, contudo no 8º ano é essencial «Compreender a inspiração clássica da arte renascentista», ora o conceito de arte clássica abrange a arte greco- romana.
Assim, as razões claras e pertinentes que levaram à elaboração dos documentos das AE, já estão manchadas de negro devido aos «cortes cegos». Irá o Senhor Ministro da Educação ainda a tempo de apagar estas manchas? Não seria de seguir a máxima de «pare, escute, olhe!», já que a pressa é inimiga da perfeição?

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