500 palavras: Eugénio Lisboa cativa leitores relutantes

500 palavras: Eugénio Lisboa cativa leitores relutantes

500 palavras: Eugénio Lisboa cativa leitores relutantes

31 Março 2021, Quarta-feira
João Reis Ribeiro

O título envolve um convite, embrulhado em emoção, numa exclamativa. É curto, duas palavras. Mas um subtítulo chama a atenção para o que tão conciso título pretende. “Vamos ler! – Um cânone para o leitor relutante” é o mais recente livro de Eugénio Lisboa (Guerra & Paz, 2021), leitor contumaz, a falar da felicidade de ler para interlocutores a conquistar.

A aventura começa com recuo à infância moçambicana do autor, numa família sem “folga financeira para comprar livros, para além dos escolares”, numa casa cuja arrecadação guardava num baú, “dezenas e dezenas de números de uma revista brasileira, com um título que era um verdadeiro chamariz”. Chamava-se… “Vamos ler!”, oferecendo “reportagens, verbetes dedicados a grandes escritores do passado e do presente (daquele presente!), contos de autores famosos, novelas policiais excitantes e até peças de teatro”. O trilho da leitura: “à falta de livros, fui-me embrenhando na boa e variada literatura que a revista me oferecia. ‘Vamos ler!’, dizia o título da revista – e foi isso mesmo que me dispus a fazer: ler.”

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A persistência e o gosto levaram o jovem para um cruzamento de géneros, tempos, culturas, numa viagem fascinante que o faz afirmar: “As pessoas que nunca adquiriram o gosto de ler não fazem ideia do prazer incomensurável que desperdiçam.” Esta asserção conduz a Virginia Woolf, pelo seu cenário do Dia do Juízo, no momento de recompensar heróis – dirá Deus a Pedro, quando alguém chegar com livros debaixo do braço: “Olha, estes não precisam de recompensa. Não há nada que possamos dar-lhes. Eles já gostam de ler!” Criados os passos, Eugénio Lisboa diz ao que vem: “Era precisamente para este estatuto de ‘pessoas que já gostam de ler’ que eu gostaria de seduzir as pessoas pouco habituadas à leitura. E uma coisa prometo, desde já: não fazer batota.”

“Vamos ler!” apoia-se em dois vectores: o da sedução e o da sinceridade de leitor experimentado. Se aquele cativa vontades, este aponta caminho não complexo nem difícil. Isto é: neste livro “trata-se de congeminar uma isca astuta e não de exibir uma cultura sofisticada e faraónica.”

O fingimento sentido no mundo literário é repudiado por Eugénio Lisboa, sobretudo pelo snobismo do “fica bem” ou do “dar estatuto”. Daí a palavra “cânone” no título, termo habitualmente guardado para associar a ideologia ao gosto, à norma, prescritivo, mas que Eugénio Lisboa usa em dimensão modesta e próxima, chegando a dizer não ser o “seu”, mas “um” cânone para que não haja leitores relutantes e também para ironizar com os cânones que deixam de fora, por exemplo, uma poeta como Sophia…

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As visitas propostas passam por uma lista de 50 obras de 35 autores, todos portugueses (na verdade, são muitos mais e há imensos estrangeiros, pois as incursões sobre os seus gostos literários são outros tantos “iscos”, ainda que fora da lista), ordenada do “mais recente para o mais antigo”, estratégia pedagógica iniciada com Miguel Sousa Tavares até chegar a Camões, também descobrindo em alguns canónicos dos programas escolares as virtudes que ficam normalmente à porta do estudo. Não, não vou dizer quais são os autores – apesar de poder haver alternativas válidas, a proposta de Eugénio Lisboa é coerente, pois assenta no princípio de que “vale a pena ler”, verdade tão universal que até Bill Gates afirmou: “Os meus filhos terão computadores, sim, mas antes terão livros”, porque, “sem livros, sem leitura, os nossos filhos serão incapazes de escrever, inclusivamente a sua própria história.” E conclui o autor: “E, agora, VAMOS LER!”

 

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