O título envolve um convite, embrulhado em emoção, numa exclamativa. É curto, duas palavras. Mas um subtítulo chama a atenção para o que tão conciso título pretende. “Vamos ler! – Um cânone para o leitor relutante” é o mais recente livro de Eugénio Lisboa (Guerra & Paz, 2021), leitor contumaz, a falar da felicidade de ler para interlocutores a conquistar.
A aventura começa com recuo à infância moçambicana do autor, numa família sem “folga financeira para comprar livros, para além dos escolares”, numa casa cuja arrecadação guardava num baú, “dezenas e dezenas de números de uma revista brasileira, com um título que era um verdadeiro chamariz”. Chamava-se… “Vamos ler!”, oferecendo “reportagens, verbetes dedicados a grandes escritores do passado e do presente (daquele presente!), contos de autores famosos, novelas policiais excitantes e até peças de teatro”. O trilho da leitura: “à falta de livros, fui-me embrenhando na boa e variada literatura que a revista me oferecia. ‘Vamos ler!’, dizia o título da revista – e foi isso mesmo que me dispus a fazer: ler.”
A persistência e o gosto levaram o jovem para um cruzamento de géneros, tempos, culturas, numa viagem fascinante que o faz afirmar: “As pessoas que nunca adquiriram o gosto de ler não fazem ideia do prazer incomensurável que desperdiçam.” Esta asserção conduz a Virginia Woolf, pelo seu cenário do Dia do Juízo, no momento de recompensar heróis – dirá Deus a Pedro, quando alguém chegar com livros debaixo do braço: “Olha, estes não precisam de recompensa. Não há nada que possamos dar-lhes. Eles já gostam de ler!” Criados os passos, Eugénio Lisboa diz ao que vem: “Era precisamente para este estatuto de ‘pessoas que já gostam de ler’ que eu gostaria de seduzir as pessoas pouco habituadas à leitura. E uma coisa prometo, desde já: não fazer batota.”
“Vamos ler!” apoia-se em dois vectores: o da sedução e o da sinceridade de leitor experimentado. Se aquele cativa vontades, este aponta caminho não complexo nem difícil. Isto é: neste livro “trata-se de congeminar uma isca astuta e não de exibir uma cultura sofisticada e faraónica.”
O fingimento sentido no mundo literário é repudiado por Eugénio Lisboa, sobretudo pelo snobismo do “fica bem” ou do “dar estatuto”. Daí a palavra “cânone” no título, termo habitualmente guardado para associar a ideologia ao gosto, à norma, prescritivo, mas que Eugénio Lisboa usa em dimensão modesta e próxima, chegando a dizer não ser o “seu”, mas “um” cânone para que não haja leitores relutantes e também para ironizar com os cânones que deixam de fora, por exemplo, uma poeta como Sophia…
As visitas propostas passam por uma lista de 50 obras de 35 autores, todos portugueses (na verdade, são muitos mais e há imensos estrangeiros, pois as incursões sobre os seus gostos literários são outros tantos “iscos”, ainda que fora da lista), ordenada do “mais recente para o mais antigo”, estratégia pedagógica iniciada com Miguel Sousa Tavares até chegar a Camões, também descobrindo em alguns canónicos dos programas escolares as virtudes que ficam normalmente à porta do estudo. Não, não vou dizer quais são os autores – apesar de poder haver alternativas válidas, a proposta de Eugénio Lisboa é coerente, pois assenta no princípio de que “vale a pena ler”, verdade tão universal que até Bill Gates afirmou: “Os meus filhos terão computadores, sim, mas antes terão livros”, porque, “sem livros, sem leitura, os nossos filhos serão incapazes de escrever, inclusivamente a sua própria história.” E conclui o autor: “E, agora, VAMOS LER!”