As imagens da região de Setúbal vindas através da poesia tinham já ocupado Daniel Pires em 2001, quando uma equipa que integrou também Fernando Marcos e António Quaresma Rosa organizou a exposição “Setúbal – Terra de Poetas e Cantadores”, reunindo uma centena de autores e 349 títulos, recenseados em catálogo, em cuja introdução se insistia na “dinamização cultural da cidade de Setúbal e reconstituição da sua memória”, surgida de “investigação aturada” que pretendia uma “perspectiva diacrónica da poesia de matriz setubalense”, coligindo os nomes conhecidos e “os populares e os menos consagrados”. Assim se originava uma obra que, mais do que uma lista, se transformou num elemento de estudo, fornecendo pequena antologia e notas biográficas sobre os autores, atitude que visava a luta contra a efemeridade das exposições, “fazendo a ponte com os investigadores vindouros que pretendam conhecer a identidade cultural da cidade”, afinal uma obra para poder ser uma referência de estudo e de conhecimento.
A criação do Centro de Estudos Bocageanos (CEB) em 1999 surgiu de uma intervenção de Daniel Pires no Forum “Pensar Setúbal”, realizado no mês de Maio desse ano, em que defendeu a criação de um centro de estudos e de informação sobre o vate sadino, com a preocupação de o âmbito de estudos ser alargado a outras temáticas locais. A ideia conseguiu agregar cerca de 80 pessoas, que foram os sócios fundadores do CEB, e, nos estatutos, publicados em 1 de Outubro seguinte, eram claras as intenções: divulgar a obra e a personalidade de Bocage, “fazer o enquadramento dos escritores locais e nacionais e dinamizar culturalmente a cidade de Setúbal”. Cerca de um mês e meio depois, em 22 de Dezembro (no dia a seguir ao que marca o falecimento de Bocage), o jornal “O Setubalense” incluía o primeiro número do que foi a “Página Cultural” do CEB, assinando Daniel Pires um texto que revelava uma antiga e rara tradução italiana de um poema bocagiano. A “Página Cultural”, de publicação mensal, prolongou-se até ao número 155, saído em 29 de Abril de 2013, sempre com uma abordagem de assuntos de interesse local e regional, por onde passaram investigadores, escolas e criadores artísticos, numa pluralidade de saberes. Daniel Pires, além de ter sido seu co-coordenador durante uma temporada, aí fez ampla divulgação de textos esquecidos e publicou ensaios relacionados com figuras locais (como Bocage, o poeta popular Calafate e o historiador João Carlos de Almeida Carvalho), com a implantação do regime republicano e suas marcas em Setúbal ou com histórias da educação, entre outros temas, chegando a defender que o CEB deveria ser o motor da constituição de uma Biblioteca de Fundo Local com vista ao “estudo do património cultural da cidade”.
Nesta missão divulgadora, Bocage tem sido, sem dúvida, a figura mais tratada por Daniel Pires, estudo em que nunca esquece a contextualização de Setúbal à época da juventude do poeta, seja colhendo elementos descritivos, seja pela demanda de iconografia sua contemporânea, reveladora do que eram o espaço e a vida sadinos, como se pode ver, por exemplo, nesse repositório de imagens que é a obra “Bocage – A Imagem e o Verbo”, editado em 2015. Outros contributos como a colecção de postais “Bocage na Prisão”, de 1999, o baralho de cartas designado “Bocage e a sua Época”, de 2005 (em colaboração com Manuel de Vilhena), ou a reedição das “Fábulas” de Bocage, em 2000 (a partir da edição de 1905), mantendo o mesmo espírito de ligação do poeta à região, apresentam também objectivos de divulgação junto do grande público, particularmente em idade escolar, visando o desfazer de imagens fáceis construídas em torno do poeta, como a do herói das anedotas, e dando-lhe a visibilidade merecida como actor de uma época ideologicamente conturbada.