Uns dias antes da tomada de posse do cardeal D. Américo Aguiar (n. 1973) como quarto bispo de Setúbal, João Francisco Gomes (n. 1995), jornalista do “Observador”, publicou a obra “Américo Aguiar” (Paulinas Editora, 2023), em cuja capa, além da fotografia do biografado (ordenado bispo em 2019 e nomeado cardeal em 2023), consta apelativa frase que, ao mesmo tempo que promove, resume o essencial do livro – “Quem é e o que pensa o organizador da JMJ, que o Papa elevou a cardeal”.
O pendor biográfico da obra surge manifesto no texto introdutório – “Editado, justamente a pretexto da sua nomeação cardinalícia, este pequeno livro pretende dar a conhecer alguns traços do percurso de vida de D. Américo Aguiar, desde a infância até à JMJ de Lisboa.” O período delimitado não chega à nomeação de D. Américo para prelado de Setúbal, região que apenas aparece mencionada no livro a propósito da data de 9 de Julho de 2023, quando estava “num armazém na zona de Setúbal onde uma equipa de voluntários da JMJ se dedicava, a grande velocidade, à montagem dos quase meio milhão de kits que seriam entregues aos participantes da Jornada” e sentiu a vibração do telemóvel – uma mensagem do comandante da Gendarmaria do Vaticano a felicitá-lo pela nomeação cardinalícia, notícia que já estava a correr, mas que o próprio desconhecia. Acaso interessante, pois: D. Américo soube que foi escolhido para cardeal na região que, volvidos três meses, viria a ser a sua diocese.
As fontes usadas por João Francisco Gomes são sobretudo jornalísticas (principalmente do “Observador” e das várias peças que assinou neste órgão), além de conversas com o biografado e com algumas pessoas que com ele privaram. O leitor assiste àquele que foi o percurso de um matosinhense nascido em Leça do Balio (onde também nasceu o primeiro bispo de Setúbal, D. Manuel Martins, que D. Américo considera “uma figura importante na minha vida”), jovem que queria ser palhaço (sonho que caldearia o seu sentido de humor), oriundo de família modesta, activo no escutismo, com experiência autárquica (deputado municipal na Assembleia Municipal de Matosinhos) e trabalho desenvolvido na área do ambiente (foi um dos fundadores de uma associação de defesa do rio Leça e trabalhou como técnico de educação ambiental na Câmara Municipal da Maia), só ingressando no seminário em 1995 (depois de uma curta frequência seminarista em 1993). Na vida pastoral, iniciou-se como pároco em Azevedo de Campanhã (2001), tendo, depois, assumido cargos vários na diocese do Porto (a partir de 2002) – vigário-geral, chefe de gabinete do bispo D. Armindo Coelho, organização da visita de Bento XVI ao Porto, responsável pela Irmandade dos Clérigos (em cujo mandato aconteceu a manutenção da Torre dos Clérigos) -, a que sucederam funções em Lisboa, como direcção do Secretariado Nacional das Comunicações da Igreja e presidência do grupo Renascença Multimédia (2016) e nomeação para a organização da Jornada Mundial da Juventude e para coordenador da Comissão de Protecção de Menores do Patriarcado de Lisboa (2019).
Ao longo do livro, vai-se percebendo que as questões mais faladas sobre a Igreja Católica portuguesa têm tido a presença de D. Américo Aguiar, seja por um persistente trabalho de bastidores, seja pela sua relação com os meios de comunicação social (situação que muito bem conhece, mesmo pelo seu estudo intitulado “Um padre na aldeia global – Evangelização e o desafio das novas tecnologias”, de 2014, trabalho a que esta biografia poderia dar mais relevante nota), seja pela maneira como encara a relação da Igreja com a sociedade. Sucintamente, o autor liga a acção de D. Américo Aguiar às mudanças, quando escreve: “O novo cardeal português incorpora uma das características fundamentais da ‘era Francisco’: a consciência de que a Igreja Católica não existe numa bolha isolada do mundo; fala para pessoas concretas num mundo concreto e, se quer ser compreendida pelo mundo, terá de saber falar a linguagem do mundo.”
Quase metade do livro debruça-se sobre os dois acontecimentos mais conhecidos, que catapultaram o bispo para as primeiras páginas – a questão do abuso de menores por elementos da Igreja e a organização da JMJ -, espaço que contextualiza e historia os vários episódios envolvidos. O derradeiro capítulo faz um apanhado de várias citações de D. Américo sobre questões importantes para o debate da Igreja – aborto, eutanásia, celibato obrigatório dos padres, ordenação sacerdotal de mulheres, o papel dos leigos na Igreja, abusos sexuais de menores, quebra do segredo de confissão, participação dos cristãos na política, os “media” e o digital, a Igreja de hoje e o Papa.
Esta obra de João Francisco Gomes torna-se importante para se perceber o grau de aproximação e de compromisso com os problemas que D. Américo tem utilizado e, simultaneamente, para se perceber o nível de empenho que ele pode vir a desempenhar no cargo em que agora foi investido.