500 Palavras: Albérico Costa e os dias de Setúbal (3)

500 Palavras: Albérico Costa e os dias de Setúbal (3)

500 Palavras: Albérico Costa e os dias de Setúbal (3)

, Professor
20 Dezembro 2023, Quarta-feira
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A década setubalense de 1970, no tempo decorrido até 24 de Abril de 1974, data que marca o fim da narrativa abordada por Albérico Costa em “Setúbal sob o Estado Novo – A Resistência a Salazar e a Caetano – 1950-1974”, oscilou entre um “crescendo de agitação social e política” de contestação e “mais repressão” por parte do regime.

O exercício da Resistência passou pelo MOD (Movimento de Oposição Democrática), criado em 1969, numa acção contínua de forte actividade reivindicativa no sector fabril e industrial até 1974, como passou por uma concertação dos movimentos oposicionistas, de maneira a não serem cometidos nas eleições os erros estratégicos das décadas anteriores – o envolvimento da Oposição nas eleições de 1973, depois dos trabalhos desenvolvidos no III Congresso da Oposição Democrática realizado em Aveiro, foi marcado por: acção intensa relativamente ao recenseamento; elaboração de requisitos para a escolha dos futuros candidatos a deputados; campanha muito participada em torno de temas como a libertação dos presos políticos, a guerra colonial, as liberdades públicas, a situação da mulher, o papel da juventude.

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Simultaneamente, ocorria a “lavagem da imagem” levada a cabo pelo marcelismo – a Censura passou a designar-se como “Exame prévio”; o partido da União Nacional viu o seu nome alterado para Acção Nacional Popular; a PIDE recebeu o nome de Direcção-Geral de Segurança (DGS). No entanto, estas mudanças nas designações pouco mais seriam do que isso mesmo, pois a repressão recrudesceu, com buscas às residências e prisões, grandemente dominadas pelo Congresso de Aveiro, pretendendo a polícia política estabelecer uma relação de colagem da Oposição com o Partido Comunista Português.

Albérico Costa recorda-nos o papel fundamental que o Círculo Cultural de Setúbal desempenhou no apoio à Resistência, espaço que a PIDE designava como “um alfobre de oposicionistas ao regime vigente”, como regista a criação de comissões sindicais nas fábricas ao longo de 1973 “para tratar dos assuntos de carácter reivindicativo junto da entidade patronal” ou as várias greves que foram sucedendo, muitas delas designadas como “greve de cera”, em que “o pessoal fingia que trabalhava, mas não trabalhava”, como aconteceu, por exemplo, no início de 1974 com as operárias da secção de manipulação da INAPA, que “baixaram a produção individual de 100 resmas por dia para 30 e 40” quando souberam que havia a intenção de a empresa proceder a despedimentos.

Na cronologia desta época, vários momentos podem ser assinalados, como a constituição da SETENAVE e o encerramento de uma dezena de fábricas de conservas de peixe (1971), a queixa apresentada por 400 comerciantes do Mercado do Livramento contra a intenção de ser criado um supermercado em área próxima do Mercado e a criação no papel do Instituto Politécnico de Setúbal (1972, embora o IPS só venha a ser efectivamente criado em 1979), a realização da primeira intervenção cardíaca para aplicação de um “pacemaker” no Hospital de S. Bernardo e as chamadas de atenção para a poluição no Sado ocasionada por diversas unidades fabris (1973) e a realização da última reunião da Câmara de Setúbal em 24 de Abril de 1974, em que foram tratados assuntos como as carências dos bombeiros, loteamentos e concessão de alvarás de loteamentos e “o estado deplorável” em que se encontrava a morgue…

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Paralelamente a todos os eventos, pairava o espectro das prisões e da perseguição dos cidadãos, num ritmo de invasão da privacidade e das vidas, aspecto que constitui parte interessante nesta obra ao traçar as resenhas biográficas dos presos políticos e daqueles que eram referenciados nos depoimentos recolhidos. A quantidade de presos e de referenciados não nos surpreende, pois Albérico Costa, à medida que relata os acontecimentos, vai respigando as informações que povoam os relatórios policiais e, em variadíssimas situações, é dado a conhecer o meio por que chegavam as informações – os agentes ou informadores infiltrados foram um recurso permanente que manteve a polícia a par das intenções e dos planos da Oposição. As penas aplicadas (prisão, perda de funções políticas e de pensões de aposentação, multas e suspensão de direitos políticos) resultam de acções como: participação nas comissões promotoras do voto, ter como companhia indivíduos de que a polícia já suspeitava, intervenção desenvolvida em prol dos movimentos de contestação, ser leitor ou comprador do “Avante!”, exercício da emigração clandestina. Quanto aos “referenciados nos relatórios”, entre as faltas que lhes apontadas, constam: ser membro do Clube de Campismo de Setúbal ou do Círculo Cultural de Setúbal, ser visto com outros suspeitos, ter sido apoiante de candidatos anti-regime, ter fiscalizado a eleição para a Presidência da República, ser “um elemento desafecto” (adjectivo de amplo espectro, normalmente sem argumentação, mas fortemente acusador) ou promotor da “subversão da juventude” (como chegou a ser apontada a acção desenvolvida ao nível paroquial no trabalho com jovens).

Esta obra de Albérico Costa, se nos dá a conhecer o que foram em Setúbal os últimos 25 anos do regime ditatorial, sobretudo nas suas vertentes política e social, constitui também um bom repositório para o retrato da identidade setubalense e para nos ajudar a perceber a intensidade com que as manifestações políticas e sociais foram vividas neste território logo que a liberdade de expressão e de manifestação se instalou, ambas as vertentes cimentadas numa investigação rigorosa e plural, que devolve à história local de Setúbal o protagonismo da sua comunidade.

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