CATÁSTROFE FOI HÁ 268 ANOS – O sismo e tsunami de 1755 em Setúbal

Investigadora da Universidade de Lisboa sintetiza o que se sabe e lança o desafio para que a investigação continue.
No dia 1 de novembro de 1755 (sábado) ocorreu um sismo de elevada magnitude que foi sentido em Portugal continental, Marrocos e Espanha. O tsunami gerado pelo sismo atingiu não só as zonas costeiras de Portugal (incluindo Açores e Madeira), mas também Marrocos e Espanha, e ainda França, Inglaterra e Irlanda; atravessou o Oceano Atlântico e chegou às Caraíbas. A combinação do sismo, incêndios (em Lisboa e Setúbal) e tsunami provocaram muitos danos e vítimas em Portugal, Marrocos e Espanha. Apesar do número significativo de trabalhos publicados sobre o tema, ainda se desconhecem muitos pormenores sobre este evento histórico. Com este artigo pretende-se divulgar o que se sabe atualmente, mas é muito importante que a investigação continue.
A hora do sismo
Dos 207 relatos compilados, cerca de 30% disseram que o sismo ocorreu entre as 9 e 10 da manhã. Em 2009, a interpretação dos vários relatos considerando o contexto religioso do Séc. XVIII, conduziu à melhor estimativa para a hora, que foi considerada entre 9:45-9:50.
Em 2011, fez-se o cálculo da hora considerando as coordenadas geográficas de Lisboa e Cádis, e os parâmetros do sol:
– O relato mais detalhado e rigoroso foi descrito em Lisboa, no Convento Nossa Senhora da Graça, dizendo que o sismo iniciou às 9:40 Hora Civil, que foi calculada para 10:16,8 UT.
– O sismo foi registado no relógio do Observatório Astronómico de Cádis às 9:52 Hora Solar Média, que foi calculada para 10:17,2 UT.
Assim, atendendo à velocidade de propagação média das ondas sísmicas p e s, o epicentro ocorreu na zona do Banco de Gorringe (monte submarino localizado a cerca de 120 km Oeste-Sudoeste do Cabo de São Vicente; chega a atingir 25 m de profundidade no topo do monte e chega até aos 5 000 m; tem cerca de 200 km de comprimento por 80 km de largura) às 10:15 – 10:16 UT.
Duração do sismo
Há 124 relatos descrevendo a duração do sismo, que varia entre 2 e 17 minutos. A interpretação é baseada no contexto religioso, em que as testemunhas descreveram três abalos, com cerca de um minuto de intervalo entre cada um: o primeiro abalo teve 2 minutos de duração; o segundo abalo também durou cerca de 2 minutos, e com menor intensidade; o terceiro abalo também teve cerca de 2 minutos de duração e de menor intensidade que o anterior, e foi diminuindo de intensidade até que deixou de ser sentido, numa duração máxima até 9 minutos.
Estes relatos são consistentes com as descrições e observações de sismos modernos, de elevada magnitude. Considera-se o 1º abalo, com duração de cerca de 2 minutos, como o sismo principal (main shock) com magnitude Mw 8,7, e que também é consistente com as dimensões do Banco de Gorringe. Os dois abalos seguintes são considerados como o efeito combinado de possíveis réplicas (aftershock) e efeitos de sítio (site effects).
A localização da fonte do sismo e tsunami
Uma vez que em 1755 ainda não haviam aparelhos para registar o sismo, a principal base de dados são os relatos das testemunhas. Depois é necessário aplicar vários métodos científicos para tentar identificar a zona da rutura sísmica. A combinação entre os relatos históricos (incluindo a hora do sismo), a análise geológica e de sedimentos em vários locais, análise e interpretação da sismo-tectónica ao largo de Portugal continental, modelação da intensidade sísmica, e modelação numérica do tsunami apontam que o Banco de Gorringe é o local mais provável da fonte (ou origem) deste evento histórico.
Impacto histórico em setúbal
De acordo com os relatos históricos, o sismo, incêndio e tsunami provocaram danos significativos na cidade, em especial no Bairro do Troino, que ainda existe porque foi reconstruido. O tsunami provocou maioritariamente três ondas, com alturas que variaram entre 6 m e 17,5 m. A muralha, que existia na altura, foi praticamente destruída, além de muitas embarcações e edifícios. Os dados dos censos de 1758 indicam que Setúbal tinha 11 842 residentes registados pelos párocos (crianças maiores que 7 anos) e que morreram mais de 2000 pessoas com o desastre, dando uma taxa de mortalidade de 16,9 %, o que é bastante significativo.
E se fosse hoje?
Usando a modelação numérica do tsunami de 1755 foi possível determinar que a primeira onda chega ao centro urbano de Setúbal em 40 minutos após o sismo. O modelo reproduziu três ondas de maior altura, e a duração das alterações do nível médio do mar duram mais de 4h. No centro urbano a altura máxima da água chega a cerca 1,7 m, inundando as ruas até cerca de 400 m, chegando à Avenida Luísa Todi e à Praça do Bocage. A velocidade das ondas atinge cerca de 4m/s (14km/h), o que é significativo e perigoso porque se uma pessoa for atingida pela água, é arrastada pelas correntes. Por outro lado, o tsunami pode afetar cerca de 925 residentes e 480 edifícios do centro urbano, incluindo alguns edifícios sensíveis como o quartel dos bombeiros voluntários, GNR e polícia marítima.